quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Liberdade ou Dependência


Quando perante um rumo económico inesperado a nível mundial, nos sentimos ameaçados, damos por nós a culpar tudo e todos, como é natural, excepto a nós próprios.
Afinal de contas, não nos esforçámos todos segundo os mais excelsos ideais?
Não trabalharam incansável e persistentemente os nossos melhores cérebros para transformar e fazer deste um mundo melhor?
Não dirigimos todos os nossos esforços e esperanças no sentido de uma maior liberdade, justiça e prosperidade?
Se o resultado é tão diferente do almejado, se, em vez de liberdade e prosperidade, somos confrontados com cada vez maior dependência e miséria, não estará mais que evidente a frustração das nossas intenções?
Que uma mudança de ideias em conjunto com o poder da vontade humana e do querer de alguns, fizeram do mundo o que ele é hoje, todos sabemos e temos consciência, agora o que não estávamos era preparados para as consequências e os resultados que nos aguardavam a médio prazo, e que nenhuma alteração dos factos, mesmo espontânea que fosse, nos obrigaria a adaptar o nosso pensamento à realidade actual.
Ainda pensamos nos ideais que nos norteiam e nos conduziram ao longo de várias gerações, como sendo ideais apenas a cumprir no futuro, e não temos a percepção de quanto, nas últimas duas décadas, em especial, esses ideais foram responsáveis pelas transformações, não só no mundo, mas por tabela, também neste país à beira mar plantado, que é Portugal.
Ainda estamos em crer, por isso acreditamos, que até há bem poucos anos estávamos a ser governados por ideias e conceitos em permanente conflito ideológico, impacientes por tudo fazer para acelerar a mudança no sentido do equilíbrio e sustentabilidade social, com o objectivo de apanharmos o combóio da Europa e, se possível, que não fosse na última carruagem.
O ponto crucial, para o qual as pessoas neste país estão ainda pouco consciencializadas, não é, contudo, apenas a amplitude das mudanças requeridas e que têm vindo a ocorrer ao longo da última geração, mas o facto de elas significarem uma mudança completa na direcção da evolução das nossas ideias e ordem social.
Nas duas décadas passadas, foi claro que nos vínhamos progressivamente a afastar dos ideais fundamentais que orientaram e foram pilares para a fundação de uma sociedade europeia de pleno direito. Que este movimento, ao qual aderimos com tão grandes esperanças e ambições, nos tenha posto face a face com uma globalização implacável, que não se compadece com fraquezas de um país sem estruturas nem riqueza produtiva à altura dos seus parceiros europeus, bem como do choque enorme para esta geração, que ainda se recusa a aceitar e compreender esses factos.
Não pode haver qualquer dúvida de que as promessas em torno de maior liberdade se veio a constatar ser uma das mais eficazes armas de propaganda, partindo-se do princípio que essa ideia seria genuína e sincera. O que se veio a descobrir, foi que o que nos foi prometido como o caminho para uma maior liberdade e igualdade, seria na verdade transformado no caminho para a dependência.
A ganância de uns tantos, a acrescentar a todos estes factores têm conduzido o país a uma rotura com os princípios da honorabilidade e respeito entre iguais, obrigando-nos a abdicar da liberdade de ideais, hipotecando um futuro, onde a falta de objectivos consistentes e realistas às nossas necessidades, conduzem e precipitam as grandes decisões por questões meramente economicistas, como a liberdade das questões económicas, sem a qual a nossa liberdade política e pessoal nunca teriam sido possíveis no passado.
Nenhuma pessoa sensata duvidaria de que as regras impostas nas quais foram expressos os princípios da economia política europeia, eram ainda um começo num processo extenso e doloroso que iria desnudar as débeis economias dos países do sul.
Surpresa foi o desmoronar dos conceitos que suportaram e estiveram na base do carrossel financeiro instituído, onde o Estado se obrigaria a várias tarefas óbvias, tais como a forma de lidar e controlar o sistema monetário, e o impedimento ou controle de monopólios, o qual ao primeiro balanço cedeu, provocando uma crise de credibilidade de todo o sistema financeiro.
A pergunta que se faz agora, não é como vamos enfrentar a crise e responder às necessidades de um país financeiramente em ruínas, a questão é até onde a resistência e a tolerância vão aguentar, sabendo-se que ao país, mais uma vez, vai ser pedido um esforço sobre-humano, mas que como já estamos habituados, para não variar, vão ser sempre os mesmos a pagar.

João Carlos Soares

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

A Arca de Noé - Adaptada




Um dia, o Senhor chamou Noé que morava em Portugal, e ordenou-lhe: "Dentro de 6 meses, farei chover ininterruptamente durante 40 dias e 40 noites, até que Portugal seja coberto pelas águas. Os maus serão destruídos, mas quero salvar os justos, sendo que, e para que tal aconteça, necessite preservar um casal de cada espécie animal.

Por essa razão, vai Noé e constrói uma arca de madeira."
Na devida altura, os trovões deram o aviso e os relâmpagos fizeram-se sentir no céu. Noé chorava, ajoelhado no quintal da sua casa, quando a voz do Senhor se fez ouvir furiosa, entre as nuvens: "Afinal, onde está a arca, Noé?"
"Perdoe-me, Senhor, suplicou o homem. Fiz o que pude, mas encontrei uma quantidade infinita de dificuldades e burocracia: Primeiro tentei obter uma licença da Câmara, mas para isto, além das taxas elevadíssimas para obter o alvará, a burocracia e os requisitos técnicos de projecto pareciam não ter fim. Precisando de dinheiro, fui aos bancos e não consegui o empréstimo necessário, mesmo aceitando as taxas de juros que nos ficam pela hora da morte. Os bombeiros exigiram-me um plano de segurança e um sistema de prevenção de incêndios o mais sofisticado, mas consegui contornar essa situação, subornando um funcionário influente para o efeito."
E Noé nos seus lamentos prosseguiu: "Começaram então os problemas com os ambientalistas para a extracção da madeira. Eu ainda fui dizendo que eram ordens Suas, mas eles só queriam saber se eu tinha um Projecto de Reflorestação para o local e um tal de Plano de Manutenção , Limpeza e Defesa da Floresta contra Incêndios. Entretanto eles descobriram também uns casais de animais que eu já vinha guardando no meu quintal. Além da multa pesada que me aplicaram, o Dr. Juíz ameaçou-me com prisão preventiva ou sujeito a residência fixa e eu para cumprir os Seus desígnios, acabei por subornar um alto signatário bem colocado, sabendo de antemão que a lei para este tipo de crime sempre é mais tolerante e branda."
"Quando fiquei em condições de dar início à obra, apareceu a Ordem dos Engenheiros e a ASAE que me multaram porque eu não tinha um engenheiro naval responsável pela construção. Depois apareceu uma empresa bem instalada no sistema, exigindo que eu a contratasse garantindo no mínimo emprego para 10 anos e uns cobres por fora. De seguida apareceram-me as Finanças, argumentando que eu apresentava a existência de nítidos sinais exteriores de riqueza, e não foram com meias medidas e multaram-me, aplicando-me coimas atrás de coimas.”
"Finalmente, quando a Secretaria de Estado do Ambiente pediu o Relatório de Impacto Ambiental sobre a zona que iria ser inundada pelo Seu projecto, mostrei-lhes o mapa de Portugal.

Bem, se as coisas até aqui só tinham sido complicação atrás de complicação, agora a coisa agravou-se e de que maneira. Quiseram-me internar num hospital psiquiátrico!- sorte a minha que à data o Júlio de Matos já estava encerrado e os Serviços de Psiquiatria estavam em greve, contra as medidas governamentais do novo código de trabalho.”
Terminando o seu relato ao Senhor, Noé chorando reparou que o céu clareava e perguntou assustado temendo pelas represálias : "Senhor, então não vais mais destruir Portugal? "Não! - respondeu a Voz do Senhor entre as nuvens - pelo que ouvi da tua boca, Noé, cheguei tarde! Alguém aí em baixo já se encarregou de fazer isso por mim!

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Os Poderes Ocultos


Democracia sem a participação efectiva de cidadãos na vida do país, não é democracia. Na nossa democracia, optou-se e definiu-se que essa participação fosse exercida através dos partidos políticos. O que não se avaliou, foi se teriam igualmente sido definidas regras estritas sobre o conceito democrático interno nos partidos, por forma a garantir a livre participação no combate de ideias concretas, onde os interesses e o bem estar dos cidadãos estejam sempre em primeiro lugar.
Não podemos, nem devemos sustentar a promoção pessoal de quem quer que seja, nem deixar passar tentativas de branqueamento da História.
Os partidos políticos, têm-se vindo a transformar em autênticos aparelhos burocráticos fechados que contribuem para o esvaziamento da participação dos cidadãos, permitindo a ascensão das elites e o endeusamento de figuras cujo desempenho e transparência deixam muito a desejar, mas que não são mais que funcionários políticos às ordens de forças ocultas que dividem entre si a liderança do poder político.
Prova disso, a ascensão de António Guterres a Secretário Geral do PS, que identificando-se como discípulo de Zenha, teve que abandonar as suas teses moralistas, convertendo-se à doutrina Soarista, definindo de forma incontornável no futuro do PS a opção de lideranças, onde a consciência moral deram lugar à proeminência da sucessão absolutista, que temos vindo a assistir nas últimas décadas.
O poder dos tribunais, nunca por nunca perdoará e estará atento ao passado do políticos, tal como o fez em tempos idos, se nos recordarmos o que se passou com o caso do “fax de Macau”, e como os ciclos se repetem, estamos neste momento no ponto exacto de viragem, onde estes não hesitarão um minuto para colocarem em causa a figura e credibilidade da classe política, impondo-se como um Estado dentro doutro Estado, onde as dúvidas e a instabilidade constitucional será implantada e posta em causa.
A Europa transformou-se numa amálgama de culturas e conflitos, numa visão ocidental da sociedade, onde nunca conseguiu apresentar e consolidar um modelo perfeito de democracia, a qual garantisse igualdade, educação, saúde, trabalho e justiça aos seus cidadãos, com base numa consistente e considerável evolução do conceito de respeito pelos direitos humanos e ambientais.
Para o comum dos mortais, torna-se cada vez mais difícil discernir quem fala verdade, e quem pretende dividir para reinar. Chega ao conhecimento público a mais diversa informação, oriunda das mais diversas fontes, permitindo que a confusão e descrença se instalem no raciocínio de cada um.
Aparecem os jornais, e cá vai uma série de denúncias, desconfianças e afirmações a colocar em causa o comportamento moral dos nossos governantes. Os nossos governantes recorrem-se desses mesmos meios de comunicação e cá vai mais um arremesso de esclarecimentos que em vez de clarificarem, põem a nu e cru a fragilidade do nosso sistema, onde a promiscuidade leviana das elites instaladas é mais por demais denunciadora que andam a jogar com a vida e o futuro dos cidadãos a troco de influências e lucros pessoais, no maior desrespeito e desconsideração por quem não passa de simples joguetes nas suas mãos.
Quem tinha o direito de superiormente se opor e colocar na defesa dos nossos direitos, a Procuradoria Geral da República, remete contradições atrás de contradições, conforme vais sendo confrontada com provas públicas, que desacreditam anteriores afirmações da PGR.
Então no final de contas em que ficamos?
Se não podemos acreditar na justiça deste País, se não podemos acreditar nos nossos governantes, senão podemos acreditar nos meios de comunicação social, senão podemos acreditar naquilo que os nossos olhos vêm, então perguntamos;
Em quem deveremos acreditar?
Seria bom que nos lembrássemos o exemplo da nossa Revolução de Abril, a qual recolheu praticamente de todas as forças democráticas internacionais os mais elevados elogios, não permitindo que esta geração venha a ser recordada no futuro, exactamente pelos motivos contrários que nos projectaram e fomos invejados nessa década dourada, onde fomos exemplo na defesa e consolidação de valores e sentimentos de grandeza ética e moral inquestionáveis.


João Carlos Soares