quinta-feira, dezembro 24, 2009

A Verdade da Crise


Governar não é fácil e não se pode resumir ou permitir a um mero acto de resolver e atacar os problemas na forma simples do aqui e agora. Sem uma visão abrangente, clara, lúcida e perspicaz do que nos espera num futuro próximo, poderá conduzir, aquilo que à partida significaria uma esperança para muitos, a um fracasso a evitar a todo o custo, transformando-se num enorme obstáculo de solução impossível, em muitas situações de difícil superação.

As crises podem e devem ser obrigatoriamente enfrentadas com uma visão alargada e nunca reduzindo ou limitando essa visão e acção a uma atitude ou processos e medidas redutoras e defensoras de proteccionismos duvidosos, ignorando-se a possibilidade e oportunidade de implementação de reformas e modernização do País.

É verdade que qualquer mudança estrutural provocada pela acção de reformas do estado, encontram naqueles que directamente vão sofrer as suas consequências, os primeiros detractores dessas medidas. Nesse sentido, somente com um intenso trabalho junto da opinião pública, através do debate, se consegue remover esses obstáculos.

A transparência, ideia tão defendida e exigida nos meios políticos, nunca terá sido tão necessária quanto agora, pois toda a capacidade de vencer uma crise ou de abreviar e condicionar a sua duração, dependerá em grande parte do apoio que os governantes receberem de quem os elegeu e neles confiou, porque a esses é que serão exigidos todos os sacrifícios.

Muitas ilações se poderão retirar da crise que nos assola, havendo, por certo, quem simplesmente a impute a deslizes do sistema financeiro ou de mercado perante a globalização, com a sua incapacidade de auto-regulação.

Contudo, perante uma forma mais abrangente e visionista, há quem preveja nesta crise um móbil para o aparecimento de uma nova ordem internacional, renascida dos escombros do capitalismo, quase que por ironia do destino, provocado exactamente por causas a ele congénitas.

A grande dúvida e preocupação, advém precisamente da grande incógnita que essa nova ordem representará num contexto de globalização, como aquele a que estamos a assistir.

O enorme colapso a que a economia internacional tem estado sujeita, ainda não tem um fim à vista, nem existem esperanças de que, num curto espaço de tempo, se encontre uma solução que ponha cobro e resolva os desequilíbrios, face ao renascer de novas preocupações, resultante de avanços e retrocessos na economia das potências reguladoras de mercado europeu, como a França, Alemanha e Inglaterra, para não falar na economia Norte Americana.

A preocupação imediata dos responsáveis, deverá ser orientada no sentido de uma aprendizagem com base nas lições do passado presente, abrindo as portas para o futuro, sem perder de vista que o primeiro e único objectivo, deverá ser o da criação de condições de sustentabilidade para a concretização das potencialidades da sociedade em geral.

A qualidade política dos governantes mede-se com base nas sua capacidade de decisão. Oscilar e refrear uma decisão, pode-se considerar um defeito tão grave quanto escolher o caminho errado. Não abordar os problemas de frente ou adiar a sua resolução, pode conduzir e precipitar o país para um desastre de consequências irremediáveis.

Subestimar esta crise e o seu impacto na nossa economia, por fanfarronice partidária ou angariação de popularidade, podem colocar em causa a verdade no combate à crise, comprometendo irremediavelmente qualquer solução e eficácia.


João Soares

domingo, dezembro 06, 2009

Preocupações


Perante os factos de corrupção chegados ao conhecimento público, como poderemos fazer prevalecer a vontade popular, para que efectivamente possamos fiscalizar a administração pública, pondo termo de uma forma efectiva aos flagrantes casos que são denunciados e chegam ao nosso conhecimento?
A necessidade que os partidos têm para fazer frente e custear toda uma máquina de propaganda eleitoral demasiado pesada, aquando dos processos eleitorais, abrem espaço e criam a oportunidade a gestores e administradores corruptos e incompetentes sem qualquer pudor nem escrúpulos, que se deixam aliciar por poderosos grupos económicos, através de contrapartidas em suportes financeiros volumosos, viciando-se assim o resultado sufragado pelas populações, através de um processo eleitoral próprio de qualquer democracia participativa.
Neste processo corrosivo e perigoso, as instituições que deveriam pugnar para expurgar estas santas alianças, elas próprias se vêm condicionadas e agrilhoadas por uma panóplia de segredos de justiça, com os expedientes só possíveis num sistema onde, a hierarquia de clãs com base político partidária, quase sempre conotadas a esses grupos económicos, procuram perpetuar nos diversos níveis de poder e decisão, uma elite de privilegiados, em proveito próprio.
Sendo os partidos políticos os agentes de um poder democraticamente constituído, disputando a sua manutenção e liderança, tornam-se, nessas disputas, os alvos privilegiados dessas elites, sedentas por manter no poder ligações a executivos que lhes facultem e concedam acessos às grandes negociatas do regime, mesmo que para o efeito tenham que abrir de mão a quantias volumosas e outros favores.
A forma descarada como os lugares de administração desses grupos são preenchidas, quer por quadros de forças partidárias, quer por ex-membros do Governo ou Instituições públicas, levam a que a promiscuidade do tratamento entre o público e o privado, que deveria ser da maior transparência, enverede por caminhos nebulosos e lamacentos, como aqueles a que nos últimos anos temos vindo a assistir.
Perante este cenário de total falta de controle e fraude na máquina administrativa do Estado, as dificuldades com que o acompanhamento da sua gestão é feito, ou lhe é permitido nos diversos órgãos de soberania, será possível alguma vez podermos responsabilizar e fazer pagar a todos esses senhores os prejuízos que causaram à Nação?
A reforma política do Estado exige rapidamente mudanças na forma de gestão da coisa pública, através da necessidade de uma maior avaliação de desempenho dos governos, quer central quer local, na implementação dos orçamentos participativos e movimentos de cidadania, em função das promessas que os partidos fazem quando em campanha eleitoral, em função e defesa do interesse público.
Independentemente dos partidos que estiverem no poder, a opção recai sempre no planeamento e controle centralizado nas tomadas de decisão, em contraponto e oposição às verdadeiras políticas de descentralização e autonomia, quase sempre com a justificação que os conflitos de interesses e de valores podem e devem ser resolvidos pela via da decisão técnica e jurídica.
As dúvidas quanto ao futuro e desenvolvimento sustentável, só poderão deixar de existir na mente de todos nós, quando as organizações, as instituições públicas e os políticos, estiverem comprometidos na defesa da igualdade de valores na sociedade, no cumprimento das suas responsabilidades perante o respeito dos cidadãos, defendendo e apresentando alternativas para as questões que afectam a segurança e bem-estar de todos e em particular dos mais carentes, contribuindo de forma solidária na construção de uma sociedade justa.
João Carlos Soares

terça-feira, dezembro 01, 2009

Só não vê quem usa cangalhas


A obstinação de alguns, perante a vontade inequívoca de outros, em proporcionar e disponibilizar capacidades e vontades, faz com que o futuro seja constantemente adiado, influenciando e reinterpretando as escolhas de ontem e de hoje na realidade política actual, esquecendo-se que nem só do passado se faz e constrói o presente, muito menos o futuro.

Torna-se inevitável, de facto, o resgatar da memória e da experiência acumulada de valores que enriquecem o tempo presente, contribuindo para um entendimento, análise e compreensão do passado, na pretérita justificação das escolhas e posturas políticas e pessoais, na realidade actual.

Nesta perspectiva, os actores que contribuem e fundamentam a história, entre eles os políticos como agentes representantes da vontade dos povos, têm como obrigação e dever, compreender o passado sempre presente das organizações e movimentos sociais, aos quais temos as nossas vidas ligadas, fazendo com que as suas opções políticas não fiquem reféns e vinculadas única e exclusivamente à dimensão partidária.

Essa memória expressa a dimensão da vida, mas que tem como actores homens e mulheres de carne e osso, pessoas que também sofrem como qualquer um, sofrem dos mesmos medos e receios, e, tal como ser humanos que são, também têm os seus momentos de alegria e tristeza, sobretudo quando têm consciência e medem a responsabilidade de estar ao serviço de quem neles confia, reflectida numa enorme esperança e, porque não, também utopia.

São essas escolhas que fazem a diferença e explicam nos nossos actos o que somos, ainda que, por vezes, não sejamos reconhecidos no meio de uma amálgama complexa e atribulada, construída por decisões que tomamos e rumos que escolhemos, por vezes influenciados pelas atitudes inconscientes de outros.

Caminhar com memória, sem esconder o passado, compartilhar lembranças e informações sobre a vida, sem receio de olhares e críticas sem fundamento, ajuda-nos a compreender os caminhos a seguir, cujo objectivo tem que ter como único epílogo e prazer, compartilhar experiências pessoais e colectivas, à medida que formos confrontados com novas realidades, algumas das quais, pela sua natureza, seriam absolutamente imprevisíveis.

Acima das memórias do passado, não nos devemos retrair, muito menos acobardar, perante opções e escolhas, aos princípios que nos guiam e proporcionam uma reflexão crítica sobre os caminhos percorridos e a percorrer.

Perante alguns comentários, quanto ao sentido da ética na política, a única resposta que tenho, resume-se ao lamentar dos tempos sombrios que vivemos, onde o descrédito e o desencanto das populações cresce perante a descrença nos partidos políticos e na própria democracia participativa, como protesto de todos aqueles que não se podem conformar com as desigualdades e injustiças, a concentração de riqueza, onde os negócios suspeitos que envolvem milhões e milhões são cada vez mais o pão nosso de cada dia.

A esperança transformada em utopia passados 30 anos, na qual eu confiava, configurava um Estado capaz de repor e manter o equilíbrio numa luta entre classes sociais, receptivo a reformas e garantindo a ordem, a segurança e o bem estar de todos

Nunca é tarde para percebermos que afinal de contas o Estado, face a uma convenção perversa com as elites tradicionais e modernas do sistema, sustentadas e supostamente legitimadas por poderes ocultos, iniciou um processo de opressão aos mais desfavorecidos da sociedade.

Isto, com toda a certeza, eu sei que não é ética nem moralmente recomendável para todos quantos se preocupam com o seu semelhante.

Acredito que algo de novo emerge, onde a participação da maioria dos actores sociais serão indispensáveis para uma transição, onde será possível transformar este cenário actual com dinâmicas sociais, conscientes dos seus direitos e obrigações, conjuntamente com uma capacidade de agirmos colectivamente. O caminho irá ser longo, cheio de obstáculos e contratempos, mas não há nada mais gratificante na vida do que sabermos e termos a consciência plena de onde vimos e para onde queremos ir.

João Carlos Soares