domingo, julho 10, 2011

OS SINAIS DO TEMPO


Quase todos somos hostis, ou por outras palavras desconfiados, muitas vezes catastrofistas, isto porque não acreditamos que há bruxos, mas lá que os há, eu não tenho a menor dúvida.

A forma como prematuramente tiramos ilações dos alertas que constantemente aparecem nas notícias, começando agora a fazer algum sentido as previsões, aceitando finalmente avaliar-se de forma mais sensata e realista esses índices. O cruzamento de dados, facilitado pelos inúmeros canais de informação ao dispor, possibilitados em grande parte pelo universo das novas tecnologias, resultado de uma generalização e aperfeiçoamento dos modelos de referência ao desenvolvimento das sociedades, permite-nos a confrontação dos dados de inúmeros núcleos de pesquisa, fazendo com que a previsão do futuro, deixe de ser uma vaga ameaça ou previsão, ou um qualquer esboço sem contornos.

Esta nova maneira de encararmos os sinais do tempo, faz com que, na nossa consciência, acreditemos que o futuro chegou e estamos na realidade perante uma crise civilizacional, e que enfrentamos um desafio sistémico nunca antes experimentado, onde já não cabem simples arranjos nas formas como organizamos o que podemos chamar de maneira ampla de gestão da sociedade.

Com essa consciência, preocupamo-nos também em manter o realismo dos factos no dia-a-dia, na procura de soluções para os nossos desejos e ambições, pelo menos no mais íntimo das nossas intenções e propostas.

Por vezes, teremos que manter o realismo dos factos, perante a dimensão das ameaças a que estamos sujeitos no contexto de globalização em que vivemos, de forma a assegurarmos com realismo e discernimento no nosso horizonte as condições de vida e sobrevivência dos povos.

Ninguém se pode dar ao luxo, nos tempos que correm, muito menos os políticos da nossa praça a troco de votos, pensar o quanto irá penalizar as suas aspirações para conseguir um voto favorável às suas propostas, deixar claro nas suas intenções programáticas, os sacrifícios necessários a exigir aos seus eleitores, para evitar uma hecatombe e assegurar uma vida digna e sustentável.

Será seguramente uma tarefa difícil mas possível, desde que se definam horizontes mínimos para a obtenção de resultados sistémicos, já não como um sonho num mundo possível, mas como uma exigência incontornável do que na realidade será necessário concretizar. Estamos todos, sem dúvida, cansados de ver algumas propostas serem rejeitadas ou adiadas por supostas dúvidas, e as análises diluídas em acções sem sentido, embalando no marasmo e empurrando as economias dos países para os negócios do costume. Será face a esses resultados sistémicos que deverão ser elencadas estratégias, com base em propostas sustentáveis em análises realistas.

O que nos poderá tirar desta fatídica herança, de forma a transformar a crise em oportunidade, será o facto que a crise está a atingir muita gente, tornando-se numa evidência incontestada e quantificada, o que obrigará, face aos argumentos, estimular a discussão e provocar propostas, apontando os principais eixos para a mudança bem como as possíveis convergências na acção.

Esta crise é um grande desafio que se coloca pela frente de todos, exigindo um esforço enorme na agregação de forças, articulação em rede que permita o aprofundamento e compreensão dos desafios que se adivinham, de uma enorme e ampla transparência na comunicação, visando gerar uma massa crítica e aceitação de conhecimento das dificuldades, por parte dos mais diversos protagonistas sociais.

É tempo de pormos termo a um período em que nos esfolamos a trabalhar para construir coisas inúteis, e preocuparmo-nos mais no primado da melhoria da situação de milhares e milhares de vidas que passam fome, no sentido de uma melhoria da qualidade de vida de todos, o prazer do quotidiano em paz e de forma sustentável.

O sistema hoje vigente, preocupa-se mais na produção de grandes fortunas, agravando e dificultando a solução dos grandes problemas da sociedade, empurrando os mais desfavorecidos para uma situação de impasse cada vez mais catastrófica. A ética e o sucesso dos povos, reflecte-se e deve estar focalizada no que cada um de nós, individualmente ou em actividades institucionais, poderá contribuir para melhorar a sociedade em que estamos inseridos, e não no quanto irá conseguir para proveito próprio, ostentando fortunas e escondendo as consequências de tal atitude a qualquer custo.

É na concertação de esforços que poderemos vencer o desafio das diferenças, de forma a reduzir as desigualdades, assegurando o acesso ao trabalho digno, como estratégia de correcção das prioridades produtivas, numa visão mais ampla para viabilizar mudanças profundas, ao estender o nível de consciência de cada um perante os desafios que iremos enfrentar, contrariando e corrigindo a fragilidade do sistema e mostrando a nossa responsabilidade e competência.

Todas as questões partem e chegam do mesmo lugar: o homem, a civilização, a sociedade. Para uma sociedade que, inverteu valores, torna-se cada vez mais difícil, se não impossível acreditar que alguns (pouquíssimos, diria eu) consigam reverter esse nefasto quadro, contudo, o principal desafio que temos pela frente, o equilíbrio das economias dos estados, a redução das desigualdades, a inclusão produtiva e a mudança do perfil dos processos a implementar, deverão ser considerados em função das prioridades reais e não dos interesses instalados e protegidos pelo sistema.

João Carlos Soares
Barreiro, 10 de Julho de 2011

quarta-feira, julho 06, 2011

CONTRA OS CANHÕES MARCHAR MARCHAR!...


A crise financeira instalada um pouco por todo Planeta, não é mais nem menos do que o resultado da perigosa dinâmica de dominó que facilmente é aceite e manobrada pelos especuladores financeiros, onde os grandes bancos e lobbys da cadeia de produção mundial se associaram na ganância do ganho fácil.

Como resultado desta atitude, numa situação de abastança de grupos económicos privados, provocaram ao longo dos anos de enquadramento na União Europeia, buracos financeiros desses grupos privados, portanto déficite privado, que protegidos por governantes sem escrúpulos, têm transformado o que era privado e com responsabilidade da má gestão de privados em deficit público a ser pago por todos nós.

Como é sabido, o deficit público tem que ser de alguma maneira coberto pelo Estado, pelo que com todo o descaramento se transfere uma responsabilidade privada em pública, quando com coerência e transparência deveriam ser dos sectores responsáveis pela dívida, a responsabilidade na procura de soluções, através de uma redução dos privilégios que continuam a ter, acumulando lucros e bónus faraónicos, mas isto iria mexer com o clientelismo e interesses desses mesmos grupos económicos instalados.

Portanto, neste contexto miserável de interesses do Poder e lobbys seus patrocinadores, é mais fácil para os governantes dos países em crise, transferir os recursos públicos para os especuladores, sobrecarregando as populações com a pesada factura de cumprir com as obrigações que não sendo suas, a elas são obrigadas e submetidas.

Este esquema laboriosamente elaborado, no essencial, resume-se a um estratagema ardiloso de fazer recair o pagamento da dívida dos outros aos politicamente mais fragilizados, ou seja, como desde sempre estamos habituados, os de camadas sociais mais baixas, através da redução dos poucos benefícios sociais que ainda até agora nos permitiam ter.

Este esquema tem a perversidade de transformar o que antes eram dívidas de biliões de responsabilidades de determinados grupos financeiros, por pequenos deficits que terão que ser pagos e distribuídos por milhões de famílias, que em nada contribuíram para este estado calamitoso das finanças públicas.

A isto chamam os cérebros iluminados da nossa sociedade, austeridade de políticas responsáveis, através de tomada de medidas duras pelos Governos, as quais se resumem e são sempre dirigidas para os mesmos, sacrificando as populações mais desprotegidas e carenciadas, justificando as mesmas como uma atitude patriótica na defesa e em prol das necessidades urgentes da Nação.

Este tipo de discurso começa a fazer escola por toda a Europa, fazendo acreditar que por esta ordem de pensamento universal instalado, dentro de pouco tempo o efeito de contágio alastrará com toda a certeza a outros continentes, efeito da globalização.

Como se escuta nos comentários à crise, proferidos por respeitáveis analistas de todo o Mundo, este processo não é mais do que uma tentativa ardilosamente orquestrada dos senhores instalados no poder transferirem escandalosamente o impacto da crise dos seus verdadeiros e únicos responsáveis, para quem nada teve a ver com as causas que lhe deram origem.

O efeito deste tipo de atitude, começa a sentir-se de uma forma devastadora no aumento descontrolado de desemprego em todas as faixas etárias, mas em especial e de forma mais visível nas camadas jovens, a qual tem um efeito de contágio em todos os sectores da sociedade, aumentando as dificuldades de sobrevivência das classes mais expostas e desprotegidas, adiando a discussão das causas e ao mesmo descomprometendo e desresponsabilizando os responsáveis.

Se este efeito não fosse já suficiente para a tendência de aumentar a depressão sentida internacionalmente e em especial nos países mais dependentes, também o orgulho e cobiçado reduto dos Estados de bem-estar social começa a ser alvo de ataques colocando-se em causa as faixas etárias contribuintes mais velhas, através do adiamento da idade de aposentação, o fim de alguns serviços de assistência e sobrevivência, e o mais que ainda está para se dar a conhecer.

O bode expiatório da Europa centralizou-se na Grécia, tendo a Alemanha da Srª Merkel tido um papel de protagonista interessado e decisivo na imagem que criou na economia grega perante os seus credores entre eles a Alemanha, usando o argumento de que os Gregos viviam para além das suas capacidades e, contrariamente ao que deveria ser o seu papel, afirmando que tinham que ser disciplinados, ou então seriam forçados a seguir as directrizes que a Alemanha quer levar os seus súbditos económicos na Europa a por em prática, o que veio a acontecer, com as consequências que temos assistido dia após dia, afundando cada vez mais uma economia sem estrutura e em decadência.

Deste facto não podemos alhear-nos, pois as consequências de imediato se fizeram reflectir nos que se perfilavam na fila, Portugal, Irlanda e agora, tudo leva a crer, a Espanha, que caminham para o crescendo da desconfiança criado em torno destas frágeis economias subsidiárias do BCE e FMI, culminando ainda hoje, 06 de Julho, com a afirmação das agências de rating interessadas no descalabro da economia no nosso país, afirmando que a nossa dívida neste momento vale tanto como lixo.

Ao ponto que isto chegou, à pouca vergonha que invadiu toda a novela das dívidas soberanas dos países, que a própria União Europeia, através dos seus dirigentes sentiram a obrigação de sair à praça pública, ameaçando da necessidade de terem que criar regulamentação adequada sobre as agências de rating, palavras de Durão Barroso.

Resultado de toda esta despudorada acção dos grandes grupos económicos através dos seus interlocutores, as agências de rating, como não poderia deixar de ser, os juros da dívida colocada no mercado, tornaram a atingir limites nunca antes admitidos, penalizando e colocando a situação dos devedores cada vez mais difícil e insuportável de satisfazer os compromissos.

Tal como já acontecera em situações de crise anteriores, as principais medidas foram adoptadas simplesmente, sem nenhum debate real entre as sociedades ou mesmo discutidas nos Parlamentos. Com uma maioria de governos de direita e centro-direita dominando o espectro político europeu, não houve hesitação de espécie alguma em adoptarem medidas penalizadoras dos mais desfavorecidos, agindo indiscriminadamente contra os serviços públicos e os direitos sociais adquiridos, exigindo-se contrapartidas ultra rigorosas inéditas até então na Europa.

Contudo, de forma mascarada, toda esta vingança das elites, advém de algo mais que vai para além da ideologia, e que se esconde por detrás da ofensiva contra os direitos sociais e serviços públicos, como tentativa de fazer esquecer a série de derrotas económicas e políticas sofridas desde 2008, nos dois primeiros anos de crise, numa manobra clara para salvaguardar os interesses das grandes instituições que fizeram aplicações consideráveis, e que agora, estão confrontadas com a redução dos seus lucros, em virtude da garantia oferecida pela União Europeia e o FMI na cobertura destes recursos face a eventuais calotes, resultante dos empréstimos de risco assumidos pelos Estados, levados a cabo nestes países e não recuperados.

Toda esta vingança da elite económica mundial, assusta pelo grau de hipocrisia e egoísmo que a mesma pressupõe, dissimulada na necessidade e em nome do combate ao deficit público, mesmo que para isso seja necessário avançar para medidas de corte nas despesas, as quais irão atingir os serviços, as infra-estruturas indispensáveis e necessárias para a recuperação e desenvolvimento de um tecido produtivo eficaz, os mais pobres e os desempregados.

Com tudo isto, ressalta cada vez mais as diferenças entre a classe alta e baixa da sociedade, eliminando-se a qualquer custo a classe média, expresso no diferencial entre uns e outros nos rendimentos de cada cidadão, cada família.

No cenário de crise global que enfrentamos, não se vê luz ao fundo do túnel, pois constata-se a falta de coragem que os governos mostram, ao não defenderem a necessidade que contrariamente ao que se propõem, “cortar nos gastos públicos”, deveriam ampliá-lo, criando maiores deficits orçamentais, para assim provocarem uma recuperação mais pujante, de forma a reduzir a dívida. Caso contrário o sector público caminhará para o fosso, e a sociedade não conseguirá libertar-se do pântano em que a colocaram, deixando a consolação aos tolos da redução estatística da despesa pública.

João Carlos Soares

Barreiro, 06 de Julho de 2011