quarta-feira, abril 18, 2012

Coisas do Quotidiano

                                                            


Existem questões no quotidiano de cada cidadão, como a ignorância, a pobreza, a violência, a corrupção, o desemprego, a miséria e em oposição a opulência de alguns extractos sociais, que flagelam a sociedade em que vivemos, numa manifestação inequívoca do livre arbítrio e disparidades que caracterizam o subdesenvolvimento e mostram a vulnerabilidade da nossa democracia.

Esta vulnerabilidade, a que estamos expostos, caracteriza-se pelas relações promíscuas e circulares de causa efeito, que, cumulativamente, se vão agravando no tempo, com os governos de costas viradas para a realidade, sem que os responsáveis pelo destino deste país se preocupem, ou considerem inevitável uma intervenção urgente, necessária e imprescindível ao nível do investimento, garantindo o desenvolvimento económico do país, capaz de, garantir aos mais socialmente desprotegidos, uma existência no mínimo condizente com os valores da condição humana, na consolidação de uma sociedade mais justa e menos desigual.

A importância que o governo atribui à concentração do poder económico, apoiada e defendida pelas minorias que dela beneficiam, suportado por políticas económicas, culturais e ideologicamente recessivas, afrontam a dignidade da maioria dos portugueses, ao defenderem e aplicarem exclusivamente medidas que só penalizam os que menos têm, como solução para o regabofe a que o país chegou, resultado da onda de corrupção em sucessivos governos e a displicência e falta de atitude e transparência dos órgãos reguladores, no desempenho das suas obrigações.

A continuidade destas disparidades sociais encontra, na falta de capacidade e mobilização das populações, um fiel aliado para perpetuar no tempo essa concentração de poder, agravando e vilipendiando as condições de vida das populações, através da difusão de visões especulativas da sociedade, responsabilizando-a pela situação de miséria a que chegou, promovendo o culto do individualismo e a violência psicológica, enquanto privilegiam e se assiste, à evasão descontrolada e obscena dos impostos, praticada pelas elites económicas.  

Enquanto uma grande parte da população, vive abaixo da linha de pobreza, em péssimas condições de sobrevivência, as minorias privilegiadas do sistema, os antigos e os emergentes, vivem faustosamente instalados num mundo à parte, escondendo a realidade das condições desumanas de vida da restante população, sacrificada às imposições restritivas de direitos do FMI, BCE  e Comissão Europeia.

Cada vez mais as desigualdades se vão perpetuando, ao permitir-se, à sombra das bandeiras partidárias, candidatos a lugares do aparelho legislativo ou vinculadas de alguma forma ao aparelho do Estado, que estão conotados com processos fonte de enriquecimento ilícito, como acontece com o tão famigerado caso dos submarinos, que já deu direito a penas noutros países, como na Alemanha e na Grécia e que se relacionam de igual modo com políticos da nossa praça, mas que continuam a ter a protecção de uma imunidade parlamentar, eleitoralmente conseguida.

Para além deste caso, está bem vivo o resultado do processo Portucália, o qual depois de quase uma década, trazendo inevitavelmente custos ao aparelho judicial do Estado, deu o resultado que deu, saindo ilibados todos os implicados, e o caso Freeport, que se arrasta vagarosamente nos tribunais, mais parecendo um folhetim ou telenovela, que no fim, para não variar, irá culminar com um final feliz para os seus protagonistas.

Estranhamente, ou não, é com alguma estupefacção que lemos em grandes paragonas nos meios de comunicação social, declarações de pessoas com enorme responsabilidade no Estado, como a Dr.ª Maria José Morgado e, segundo as suas palavras, que são públicas, refere que, “o enriquecimento ilícito deveria ser legislado”, pois, e ainda usando palavras suas, “existem políticos que eram pobres quando iniciaram as suas funções, e ao fim de alguns anos estão milionários”. No mesmo sentido, afirma o “Correio da Manhã” na sua primeira página, de que, os juízes vão processar José Sócrates. Perante estes factos, fica no ar uma questão;

Por onde andaram estes senhores este tempo todo?

São realidades terríveis e monstruosas para um país a saldo, só possível pela passividade do eleitorado na hora das decisões, onde a influência do poder económico, através de campanhas financiadas por grandes empresas nos processos eleitorais, têm um peso decisivo, permitindo mais tarde a reciprocidade e retorno desses investimentos, em pessoas sem escrúpulos, que lhes irão assegurar os privilégios, legais e fiscais, de que gozam e que garantem o seu enriquecimento pessoal e das entidades a que pertencem.

Este tipo de comportamento da classe política, onde a vontade política do povo e interesse público se vê subvertido, é um crime que pode ser considerado mais grave do que a própria corrupção económica, pois inflige no país de forma dramática, o golpe de misericórdia a que nenhuma sociedade verdadeiramente democrática consegue resistir, ou seja, o falsear e a descredibilização dos valores e princípios da própria democracia.

João Carlos Soares

Barreiro, 18 de Abril de 2012

domingo, abril 15, 2012

Europa Global - Um Erro de Cátedra


A crueldade dos homens, porque não dizer a hipocrisia dos homens, é cada vez mais um facto latente na sociedade contemporânea, provocando o desencanto, a mágoa, e uma raiva que rapidamente se transforma numa repulsa e contestação incontroláveis.
No entanto, há momentos em que a hipocrisia de tão mesquinha que é, me faz pensar e acreditar que a nossa postura revela quem somos, e que a sociedade sofre de uma doença incurável, onde os sentimentos estão impregnados de egoísmo, que nos choca, enoja e entristece, à espera do dia do juízo final.
Perante esta constatação, tão evidente, achei que me deveria conter e calar, aguardando momento mais oportuno para expressar a minha opinião de maneira mais serena, sem os vícios da reacção imediata que se interpõem na nossa alma, nos momentos em que nos sentimos feridos e enxovalhados.
Portugal está ferido e a ser enxovalhado, mas não se pode nem deve considerar um país do Terceiro Mundo, mas é sem sombra de dúvida um país subdesenvolvido, que pela força das circunstâncias, da sua localização e posicionamento na Europa, a juntar às razões históricas desfavoráveis, que nos têm empurrado para uma subserviência política e económica dependente dos países economicamente mais fortes, nos têm colocado à margem de todo o processo evolutivo da economia mundial.
A ausência de desenvolvimento sustentado e a condução desregulada dos mercados, com uma concentração de riqueza a todos os tipos censurável, pelos países mais poderosos da União Europeia, num processo infame e descarado de uma nova forma de neocolonialismo capitalista, são os principais factores que determinaram o subdesenvolvimento da maioria dos países em queda abrupta na Europa, como a Grécia, a Irlanda, Portugal, Itália, a Espanha e agora também alargado à Hungria, onde através da imposição de uma governação imposta pela Troika, caso não obedeçam e cumpram as directivas, terão inevitavelmente o seu futuro definido, à espera da decisão de exclusão no momento mais apropriado assim que acharem ter chegado o momento.
A má utilização dos recursos naturais e humanos, propositadamente executada por forma a impedir a expansão económica e os equilíbrios sociais num processo de integração dos grupos desfavorecidos num sistema económico integrado, impediram a concretização de uma estratégia global de desenvolvimento, que fosse capaz de mobilizar os factores de produção de cada um dos países, na defesa dos interesses da sociedade.
Só com uma estratégia adaptada aos condicionalismos e comum aos interesses de todos os países da Comunidade Europeia, e não só a alguns, poderíamos atingir o desenvolvimento indispensável que recolocaria os países menos preparados e apetrechados economicamente, na senda do desenvolvimento, desde que fossem acauteladas as evidentes diferenças entre eles.
Infelizmente cometeu-se o erro de considerar o processo de desenvolvimento, como se todos se encontrassem ao mesmo nível de crescimento e possuíssem por igual os mesmos meios e recursos que só estavam ao alcance dos mais ricos. Um egocentrismo levado às últimas consequências, orientou as decisões dos teóricos para a metodologia a estabelecer nas suas ideias e pensamento, na criação e implementação de um sistema económico, ignorando totalmente a realidade socioeconómica de cada região, deixando nas mãos dos dirigentes locais, a habilidade e o confronto ideológico acompanhado do folclore eleitoralista, na sua capacidade persuasiva das populações, para mascarar as suas reais intenções
Essa terrível desigualdade nos tecidos sociais de cada país, estrema os índices da economia na Europa e no Mundo, onde se faz sentir o poder dos ricos sobre os pobres, ou seja, onde cada vez mais se faz notar a diferença entre países desenvolvidos e com uma indústria forte e dominante, em contraponto com os países com um tecido social precário, onde predomina o trabalho assalariado numa indústria sem apoios, caduca e a saldo.
Os dois grupos, resultantes do fosso económico criado entre eles, que não se entendem, deixam cerca de dois terços da humanidade à beira do colapso, fazendo com que a fome e miséria tomem conta da razoabilidade e do bom senso comum.
As desigualdades sociais estão a tomar conta das populações completamente desprotegidas, aumentando a intranquilidade e intensificando as discrepâncias sociais, gerando e alimentando conflitos políticos e ideológicos.
Quando assistimos à opulência em que uma minoria vive, em oposição a dois terços da população mundial mergulhada na miséria, deixa de ser por si só uma situação perigosa, como passa a ser considerado um crime sobre a humanidade, porque a tensão social com que somos confrontados no dia-a-dia, na maior parte das situações que se conhecem, são nada mais nem menos do que o produto desta reconhecida injustiça social, quando as populações subjugadas ao jugo do poder dos mais ricos, começam a tomar consciência da verdadeira e crítica realidade socioeconómica em que vivem.
Sempre me disseram que pior que errar é não reconhecer os erros. Para que não tombemos num fosso sem retorno, torna-se urgente restabelecer o equilíbrio económico das nações, sem o qual muito dificilmente poderão aspirar a uma verdadeira paz e tranquilidade entre os homens.
Cada vez mais se questiona se o desenvolvimento terá obrigatoriamente que passar pela desumanização frenética na procura da riqueza, priorizando o lucro fácil e imediato, em vez de, capitalizar as energias que enriquecem a vida da humanidade em geral, e lhes poder trazer muito mais estabilidade no caminho para a felicidade.

João Carlos Soares

Barreiro, 15 de Abril de 2012

sexta-feira, abril 06, 2012

Valeu a pena expor o País, ou foi só mais uma questão de oportunidade política e mudança de figurino?


  Auscultando os ilustres fazedores de opinião da nossa praça, ouvimos falar dos mercados, como sendo a razão de todos os pecados e culpas, da dramática situação em que nos encontramos.
Mas afinal o que vêm a ser esses malfadados mercados, e o porquê da sua importância em tudo o que nos acontece?
Chegámos a um ponto, em que pertencer à Europa, deixou de significar ter na mão a solução para todos os problemas, pelo contrário, pois neste momento, a própria Europa começa a ter dúvidas e a questionar-se sobre as suas convenientes soluções, porque contrariamente ao que os lideres têm vindo a defender, a crise actual não é mais uma crise financeira ou económica, face ao que se pode comprovar pelo comportamento das lideranças políticas.
Ao primeiro abanão, esquece-se o verdadeiro significado do que é ser europeu, e qual o valor que a Europa deveria ter no contexto mundial, perdendo-se o cimento que a deve manter coesa e forte, através de um comportamento mais solidário e uno, na protecção dos países mais ricos para com os que têm uma economia mais fraca, portanto com menos possibilidade de manter um equilíbrio para com os seus compromissos no seio da União Europeia, como acontece com Portugal, Grécia e Irlanda, e mais recentemente a Espanha, quanto às suas dívidas soberanas.
Pelo contrário, esses ditos mercados, excelentemente representados pelas agências de notação, mal se apercebem da fraqueza das contas públicas de qualquer estado menos preparado para momentos de crise ou recessão, atacam escandalosamente baixando os ratings do Estado e dos Bancos, fazendo aumentar a desconfiança quanto à capacidade desses estados satisfazerem os pagamentos da sua dívida soberana, elevando o risco de bancarrota e subsequente aumento dos juros dessa mesma dívida.  
Se verificarmos a origem desses agentes desestabilizadores, as agências de notação, quase todas elas são oriundas dos Estados Unidos, e que perante a debilidade do dólar, fazem o seu trabalhinho de casa sem mácula, mantendo o dólar como moeda padrão nos produtos referenciais de mercado, fazendo transparecer que o euro é uma moeda de referência frágil, e que até poderá desaparecer, se a Europa não se entender e perder a sua hegemonia.
Para concretizarem essas intenções, irão tentar desestabilizar a União Europeia, aproveitando a fraqueza de alguns estados, e assim, obrigar a um cisma entre os países que constituem a União, colocando os mais fracos numa situação de completo incumprimento, o que os levará irremediavelmente à saída da União como alternativa, transformando o projecto europeu como um objectivo frustrado de gerações e gerações de europeus.
Com os cortes salariais, o aumento draconiano dos impostos, o crescimento descontrolado do desemprego, a perda de cuidados primários de saúde, entre outros, irão trazer para as ruas a população revoltada, em confrontos diários com as autoridades policiais, num autêntico desafio de confrontação social, subjugada a uma cultura governamental autoritária, de obediência e de medo.
Até agora, os movimentos contestatários têm-se resumido a manifestações organizadas e ordeiras, mas com o agravamento de medidas que se prevêem vir a ser implementadas e a perda acelerada de direitos adquiridos, irá haver uma maior organização social de protesto, até porque não vamos estar imunes ao contágio que já hoje se faz sentir, quer na Grécia e agora também em Espanha.
Ouvindo alguns debates televisivos, onde ilustres comentadores e representantes políticos debitam e interpretam os acontecimentos mais mediáticos, ficamos com a sensação de que nada há a fazer, e que as medidas em curso são meramente paliativas, mas esquecem-se que alguns, se não quase todos, fizeram parte de anteriores governos ou representam forças políticas com responsabilidades na situação actual do País, falando das matérias em discussão como pessoas impolutas, justificando todas as medidas com a crise e deixando quem os escuta resignadas ao destino e à sua pouca sorte.
Lamentavelmente, o que esses ilustres comentadores não dizem, mas que desejam, é que contrariamente ao que afirmam e defendem, as medidas tomadas pelo governo só terão reflexo no pagamento dos juros da dívida soberana e não para a recuperação e desenvolvimento económico do País como pretendem fazer crer. Na sua maioria, as reformas e vencimentos milionários que auferem, alguns cumulativamente com outras actividades nas administrações de empresas, não serão afectados pelas medidas cegas aplicadas e que vão colocar a grande maioria dos portugueses na miséria.
O fim do Sistema Nacional de Saúde, com medidas que vão começar a surgir por onde menos se espera, basta aguardar para ver, arrasarão de vez com um dos maiores se não o maior bastião desde o 25 de Abril de 1974. A privatização até ao último centavo do que ainda não foi privatizado, a perda do 13º mês e subsídio de férias, a perda e ou redução de retorno do IRS, a redução do apoio às famílias, a redução do tempo de subsídio de desemprego, o aumento dos impostos e contribuições, a caça às multas e coimas por tudo e por nada, a taxação na circulação em estradas construídas com os impostos dos contribuintes, o aumento inevitável dos bens essenciais, e muito mais que foi e vão ser implementados por este governo, perante estes factos, questiono-me qual a diferença deste programa agora imposto, para o tão criticado e derrotado PEC – IV.
Com um governo que escolheu a prepotência e a mentira, para aniquilar todos os direitos e regalias que ainda se mantinham como conquistas de uma revolução, que pôs termo a décadas de um regime castrador das liberdades, devemos questionar-nos se valeu a pena expor o País a esta mudança e, se os Portugueses não deverão de uma vez por todas, perceber que um processo eleitoral, não pode, nem deve ser utilizado simplesmente para servir oportunismos de certas castas políticas.
Os abutres especuladores dos mercados financeiros, não se cansam de sugar a riqueza dos povos, continuando a enriquecer de forma escandalosa, sem qualquer regulação, pelo que se torna necessário reagir com veemência, exigindo respeito pela condição humana e confrontando os governos democraticamente eleitos, a preocuparem-se na defesa dos direitos de quem neles confiou, e em uníssono gritar, basta!
Se a contestação efectiva tardar, quando as consequências das medidas começarem a fazer-se sentir no bolso e na cabeça de todos nós, poderá então, talvez já ser tarde demais.
(Já tinha terminado estas linhas de análise, quando tive conhecimento, pelas televisões, da situação de desespero de mais um ser humano que não aceitou nem conseguiu resistir à pérfida e criminosa intervenção dos senhores do mudo, pondo termo à vida em frente ao Parlamento Grego. Espero que os responsáveis europeus tirem as devidas ilações, da simbologia do acto e do desespero de quem perdeu a confiança e a esperança no sistema, e que não fiquem de braços caídos à espera, a ver o desespero das pessoas a sair à rua.)
João Carlos Soares
Barreiro, 04 de Abril de 2012

domingo, abril 01, 2012

CRISE - Colapso Social


O processo de globalização recorrente da entrada de Portugal na Comunidade Europeia, tem provocado o desgaste sistemático das estruturas de coesão interna na nossa sociedade e, simultaneamente, a progressão de risco e marginalização de exclusão de sectores mais desfavorecidos da população.

Com o aumento das desigualdades, constata-se com elevado ênfase a discriminação de certas camadas sociais e, subsequentemente, a destruição das solidariedades sociais.

Torna-se notório este efeito, resultante do processo de diferenciação, através da segmentação e individualização produzida na vida social das comunidades, centralizado posteriormente nas questões relacionadas e resultante do agravamento do risco social e, por vezes, da pouca visibilidade que se pretende dar deste risco.

Não sendo uma realidade exclusiva do nosso país, temos que ter alguma preocupação e especial atenção, pois ela assume contornos muito particulares face à deficiente posição e enquadramento económico do país, no contexto da economia europeia.

Se por um lado assistimos à descolagem dos segmentos mais débeis da sociedade, aqueles que se encontram nas faixas mais desfavorecidas, onde os problemas e necessidades mais se fazem sentir, em contraponto com a promoção e enriquecimento dos mais fortes, por outro lado, assistimos à individualização da vida social, através da autonomia dos indivíduos relativamente às estruturas colectivas de autoridade baseadas na tradição ou no poder do Estado.

Contudo, este efeito não é tão linear como parece, tal como o não é a globalização, pois ele é o resultado de um conjunto de processos, económico e politicamente influenciáveis.

Nesta ordem de ideias, a fragmentação e individualização manifestam-se nas alterações sentidas no dia-a-dia das instituições em que assenta a nossa sociedade, como resultado da conjugação desses diferentes processos.

Essa diferenciação social é muito mais complexa do que à primeira vista pode parecer, pois a mesma na se esgota nem pode ser justificada unicamente pelo processo de globalização económica, pois a mesma é resultado de uma enorme falta de recursos para aproveitar essas oportunidades e deficiente capacidade de integração face à expansão do mercado global.

A forma desigual como se repartem os recursos materiais, tecnológicos e organizativos nos diferentes grupos sociais, reflecte-se mais tarde no défice dos sectores produtivos da sociedade e na ineficácia do sistema perante o aproveitamento das disponibilidades no desenvolvimento dos mecanismos de produção, através da extensão dos mercados.

A diferente capacidade dos indivíduos e grupos aproveitarem as oportunidades, vai reflectir-se, ou não, no efeito da igualização pretendida para a introdução dos processos de industrialização e racionalização de meios do país.

A necessidade e procura de competitividade face à globalização, bem como a conquista de novos mercados, aumentam a procura de mão-de-obra barata, por vezes recorrendo à subcontratação ou contratação precária, explorando mercados de trabalho mais favoráveis, através da deslocalização dos meios de produção, o que acarreta nos países onde estão implantados efeitos terríveis ao nível do emprego e sustentabilidade da estrutura familiar das classes mais desfavorecidas.

Considerando-se, em geral, que se está perante um agravamento do emprego precário e flexibilização de segurança no trabalho, assistimos à instituição de um novo sistema de emprego, baseado num novo modelo global de produção e defendido por um novo código de trabalho, do qual resulta um agravamento e risco social e de exclusão para um número considerável de trabalhadores, na base da atribuição de salários baixos e contratos flexíveis.

Na presença de tão grandes dificuldades no mercado de emprego, numa sociedade que se pretende de coesão social, assistimos cada vez mais às tentativa de individualização dos cidadãos no mercado de trabalho, num processo de isolamento do indivíduo, onde o que move cada vez mais as pessoas é ter uma vida própria, ter dinheiro, trabalho ou poder como objectivos prioritários na sua realização pessoal, esquecendo-se os valores e princípios éticos que devem nortear os cidadãos numa sociedade igualitária.

Uma das consequências deste tipo de comportamento em sociedade, é o desgaste e a precoce desintegração dos valores de cidadania, provocando o enfraquecimento do conceito público, onde as preocupações se centralizam em si próprios, rejeitando o conceito de comunidade, contribuindo para o Estado se descartar das suas obrigações sociais para com as famílias, os grupos e as comunidades.

Desta forma as responsabilidades e compromissos mútuos entre os indivíduos, tendem a desaparecer, ao mesmo tempo que a cidadania, enquanto direitos e obrigações face ao Estado, se vai cada vez mais individualizando.

Com o evoluir da crise no nosso país, este tipo de alterações começam a reflectir-se na incapacidade de combatividade das classes mais expostas e sensíveis aos desequilíbrios do mercado de trabalho, bem como da sua capacidade de emancipação, desencadeando comportamentos individuais desgarrados, de pendor conformista e adaptados às dificuldades de sustentabilidade, onde à incerteza dos resultados alcançados acresce o mais que provável aparecimento de efeitos não esperados ou indesejados numa economia globalizada.

Face à situação de carência económica e social que se faz sentir num número significativo e preocupante de famílias, as quais recorrem a instituições de solidariedade, revelam incontestavelmente a gravidade da crise pela qual o país está a atravessar.

Este problema torna-se ainda mais preocupante, pela razão de que esta situação coloca algumas famílias pela primeira vez num estado de necessidade e pobreza, quer pela falta de emprego, ou pelos fracos recursos provenientes de trabalho com baixo salário. Estes grupos em ruptura completa com as suas obrigações e compromissos, fazem colapsar todas as estruturas de apoio social existentes e o equilíbrio familiar, quando atingem de forma catastrófica a falência alimentar do seu agregado.

Nesta situação, a prioridade deve estar orientada no sentido de proporcionar o bem-estar das comunidades, numa procura incessante no mercado de novos postos de trabalho, só possível com o empenhamento dos órgãos de decisão do país, numa aposta ao investimento e desenvolvimento de novos mercados.

Perante esta realidade nua e crua, devemos estar apreensivos com as consequências, pois a quebra na estrutura familiar pode vir a provocar o desequilíbrio e a sustentabilidade das famílias, aumentando o desalento no seu seio e facilitando a explosão da violência doméstica, contribuindo para o aumento da conflitualidade e tensões sociais que são, na grande maior parte dos casos, o resultado da desorientação das pessoas.

Tal como refere um responsável da Cáritas, o único investimento do Estado até agora, tem sido apenas no sentido de se tomarem medidas no combate ao défice público, descurando-se as alternativas para responder às insuficiências dos extractos sociais mais desfavorecidos perante o novo cenário de crise, desemprego e endividamento das famílias, pois quando se cai no ciclo da pobreza e da dependência, torna-se de sobremaneira muito mais difícil sair dele, se não impossível, sem que se faça sentir a solidariedade providencial do Estado.

Ultimamente tem-se assistido ao dirimir de opiniões sobre se o país deve ou não endividar-se mais, como única solução para encarar e debelar as insuficiências orgânicas e estruturais de que padece, na base da solvência financeira da banca para fazer frente às necessidades financeiras das empresas.

Se por um lado esta poderá ser a solução mais fácil de tomar no momento decorrente da recessão que nos atinge, não poderá o governo deixar que essa aplicação de capital seja feita de forma desregrada, sem qualquer tipo de controlo pelos órgãos de regulação competentes, porque não chega simplesmente injectar-se milhares de milhões de euros na banca, para se resolverem os problemas da miséria e da fome.

Sem se aplicarem as medidas estruturais necessárias, iremos ser confrontados sem apelo por um agravamento da fome no nosso país, e as primeiras vítimas dessa praga social serão sem sombra de dúvida as classes socialmente mais desprotegidas, e que por efeito de contágio, mais tarde ou mais cedo, acabará por atingir toda a classe média.

Para que esse cenário não venha a acontecer, temos que reagir com determinação, porque o espectro da fome já se faz sentir entre nós, coisa que não parece preocupar os nossos governantes, mais vocacionados em agradar aos novos capitalistas do Estado, oriundos dos países emergentes, Angola, Brasil e China, representados e capitaneados por altos quadros dos aparelhos partidários, os quais vão, de forma petulante, assumindo hoje lugares no governo e amanhã nos conselhos de administração das empresas que influenciam e cauterizam a economia deste país.

Para que este pesadelo de absurdos em que vivemos, não venha a asfixiar e a sufocar toda a sociedade, torna-se necessário criar um fundo de desenvolvimento com as verbas a injectar no país, as quais em conjunto com o bloqueamento das contas monumentais amealhadas por governantes e gestores públicos assumidamente corruptos, ajudarão a implementar e equilibrar a balança e a trazer mais justiça aos sacrifícios de todos nós.

João Carlos Soares

Barreiro, 01 de Abril de 2012