Na última década,
vimos assistindo ao cambalear das economias capitalistas, como os Estados
Unidos, atingidas pela crise num sector imobiliário exageradamente
inflacionado, arrastando os bancos para uma situação de colapso de ativos,
consequência do incumprimento nos créditos concedidos e subsequente abandono e devolução
dos imóveis e suas hipotecas, arrastando famílias inteiras para a rua, sem futuro
nem esperança.
De igual forma, o
agudizar da crise financeira na União Europeia, onde passados dez anos de
integração, num modelo que tinha como principal suporte a moeda única, e o
equilíbrio nas transações comerciais, negligenciou-se o potencial económico dos
países do norte relativamente aos do sul, tendo como consequência mais visível a
desagregação económica e social e o endividamento dos menos desenvolvidos e
dependentes.
Um dos primeiros
sintomas, o desemprego, fizeram-se sentir de imediato e com consequências
desastrosas, na Grécia, Portugal e mais recentemente em Espanha, e como tudo
leva a crer, esta moléstia irá afetar igualmente a França e a Itália,
provocando o êxodo dos jovens quadros técnicos mais bem preparados e uma vaga
de desemprego sem precedentes, podendo conduzir ao fracasso e rutura de todo o
processo europeísta, daí resultando uma Europa a dois tempos, uma Europa de
ricos e outra de pobres.
Esta crise,
parecendo ter nascido do nada, tem paternidade, mesmo que alguns assim o não
queiram assumir. A entrada da UE, foi a galinha dos ovos de ouro para alguns
que, criando uma elite de novos-ricos, sempre à espreita da oportunidade de
tirar lucros fáceis, usando a inocência, simplicidade e espontaneidade dos
outros, usaram e abusaram de um capital que deveria ser para investimento no
desenvolvimento dos nossos recursos e remodelação tecnológica, mas que foi
aplicado na destruição e descaracterização da nossa indústria de transformação,
pescas, construção naval e agricultura, como se a Europa viesse dar a boda aos
pobres, em troca de nada.
Como era de esperar
e como diz o ditado, “nunca ninguém deu
nada a ninguém em troca de nada”, nesta situação o pobre deveria ter desconfiado
da abastança e, para quem tivesse dois dedos de testa, perceberia que o país
não poderia passar incólume à margem da crise, como se vivêssemos num sistema estável,
com recursos naturais e economicamente equilibrado, numa economia que não
estivesse globalizada como está, e isolados e incomunicáveis numa ilha.
Por sua vez, a
explosão da criminalidade e a presença consciente e consentida de interesses
privados nas políticas públicas, são quase como que uma varinha de condão que
nos conduz a um buraco negro sem saída, no qual o país mergulha, sejam quais
forem as desculpas e argumentos mais ou menos forjados pelos governantes.
É preciso ver que
vivemos uma realidade diferente, onde os conflitos sociais são cada vez
maiores, onde os sacrifícios pedidos pelo Governo atingem maioritariamente, sem
apelo nem agravo, as classes mais desfavorecidas e dependentes, contrastando com
o protecionismo latente das elites, onde se notam cada vez mais os tiques da
arrogância, individualismo e ganância, tão característicos do capitalismo
selvagem.
Tiques que, apesar
dos sinais evidentes de mudança e comportamento nas instituições, através do
processo democrático implementado, criando condições e melhorando
significativamente o bem-estar dos cidadãos, assiste-se e percebe-se um
compromisso dissimulado entre o poder político e essas elites, através de
medidas que impedem o desenvolvimento económico, hipotecando e fazendo da
democracia refém, que apesar dos direitos consignados pela constituição,
persistem na adoção de medidas voltadas para o favorecimento descarado e
vergonhoso de determinados grupos económicos.
Ainda que se
possam aceitar algumas excepções, a análise do processo que deveria nortear as
mudanças estruturais e estratégicas no desenvolvimento e modernização do País,
tinham como obrigação conferir trajectórias nacionais próprias, distintas e
adequadas de desenvolvimento, na procura de redefinições sobre metodologias
concretas, que viessem a definir propostas mais consentâneas com a realidade no
nosso País.
A persistência e
pressão desses grupos dominantes, exercida e condicionando o poder político nas
grandes decisões, refletiram-se negativamente no desenvolvimento previsto, a
médio e longo prazo, afastando-se a olhos vistos dos objetivos definidos
aquando da integração europeia, e hipotecando definitivamente a ambição de
acompanharmos de pleno direito e de modo sustentado, “O Sonho Europeu”.
Fator determinante
para a persistência e manutenção dessas elites e grupos económicos, só é possível,
porque existe uma concentração de poder instituído em dois blocos políticos, PS
e PSD, que, alternadamente, à frente dos destinos do país, criaram ao longo de
quase quatro décadas de democracia, uma clientela de pessoas sem escrúpulos,
arrogantes e gananciosos, que se vão revezando nos principais lugares de
decisão e administração do Estado, num proteccionismo preocupante e, porque não
dizê-lo, mafioso.
Custa, e de que
maneira, às gerações que viveram Abril, aceitar de braços caídos toda uma
panóplia de jogos oportunistas, daqueles que de forma dissimulada, à sombra dos
pavilhões partidários, esquecendo promessas eleitorais, paulatinamente e a
coberto dos governantes, vêm impondo políticas de austeridade, recuperando
dissimuladamente novas e perigosas elites em adiantado estado de putrefacção nas
fraldas da democracia, num autêntico processo de destruição estrutural das
condições de existência das populações, acenando com o espectro do cadáver em
adiantado estado de putrefacção que é o fascismo.
Para uma geração
como a minha, que viveu Abril com confiança e esperança no seu mais belo
esplendor, torna-se imperativo tomar posição, sair à rua e denunciar esta
derrocada de manipulação e pilhagem de políticas genocidas, e fazer todos os
esforços, para que não acabemos festejando amargamente, no que se está a
transformar a passos largos numa sentença de morte a médio prazo, de um sonho
que alimentou o Povo e Militares que saíram à rua em Abril de 1974.
João Carlos Soares
Barreiro, 01 de Setembro de 2012