segunda-feira, setembro 03, 2012

(Des)Caminhos


Na última década, vimos assistindo ao cambalear das economias capitalistas, como os Estados Unidos, atingidas pela crise num sector imobiliário exageradamente inflacionado, arrastando os bancos para uma situação de colapso de ativos, consequência do incumprimento nos créditos concedidos e subsequente abandono e devolução dos imóveis e suas hipotecas, arrastando famílias inteiras para a rua, sem futuro nem esperança. 

De igual forma, o agudizar da crise financeira na União Europeia, onde passados dez anos de integração, num modelo que tinha como principal suporte a moeda única, e o equilíbrio nas transações comerciais, negligenciou-se o potencial económico dos países do norte relativamente aos do sul, tendo como consequência mais visível a desagregação económica e social e o endividamento dos menos desenvolvidos e dependentes.  

Um dos primeiros sintomas, o desemprego, fizeram-se sentir de imediato e com consequências desastrosas, na Grécia, Portugal e mais recentemente em Espanha, e como tudo leva a crer, esta moléstia irá afetar igualmente a França e a Itália, provocando o êxodo dos jovens quadros técnicos mais bem preparados e uma vaga de desemprego sem precedentes, podendo conduzir ao fracasso e rutura de todo o processo europeísta, daí resultando uma Europa a dois tempos, uma Europa de ricos e outra de pobres. 

Esta crise, parecendo ter nascido do nada, tem paternidade, mesmo que alguns assim o não queiram assumir. A entrada da UE, foi a galinha dos ovos de ouro para alguns que, criando uma elite de novos-ricos, sempre à espreita da oportunidade de tirar lucros fáceis, usando a inocência, simplicidade e espontaneidade dos outros, usaram e abusaram de um capital que deveria ser para investimento no desenvolvimento dos nossos recursos e remodelação tecnológica, mas que foi aplicado na destruição e descaracterização da nossa indústria de transformação, pescas, construção naval e agricultura, como se a Europa viesse dar a boda aos pobres, em troca de nada.

Como era de esperar e como diz o ditado, “nunca ninguém deu nada a ninguém em troca de nada”, nesta situação o pobre deveria ter desconfiado da abastança e, para quem tivesse dois dedos de testa, perceberia que o país não poderia passar incólume à margem da crise, como se vivêssemos num sistema estável, com recursos naturais e economicamente equilibrado, numa economia que não estivesse globalizada como está, e isolados e incomunicáveis numa ilha.

Por sua vez, a explosão da criminalidade e a presença consciente e consentida de interesses privados nas políticas públicas, são quase como que uma varinha de condão que nos conduz a um buraco negro sem saída, no qual o país mergulha, sejam quais forem as desculpas e argumentos mais ou menos forjados pelos governantes. 

É preciso ver que vivemos uma realidade diferente, onde os conflitos sociais são cada vez maiores, onde os sacrifícios pedidos pelo Governo atingem maioritariamente, sem apelo nem agravo, as classes mais desfavorecidas e dependentes, contrastando com o protecionismo latente das elites, onde se notam cada vez mais os tiques da arrogância, individualismo e ganância, tão característicos do capitalismo selvagem. 

Tiques que, apesar dos sinais evidentes de mudança e comportamento nas instituições, através do processo democrático implementado, criando condições e melhorando significativamente o bem-estar dos cidadãos, assiste-se e percebe-se um compromisso dissimulado entre o poder político e essas elites, através de medidas que impedem o desenvolvimento económico, hipotecando e fazendo da democracia refém, que apesar dos direitos consignados pela constituição, persistem na adoção de medidas voltadas para o favorecimento descarado e vergonhoso de determinados grupos económicos.

Ainda que se possam aceitar algumas excepções, a análise do processo que deveria nortear as mudanças estruturais e estratégicas no desenvolvimento e modernização do País, tinham como obrigação conferir trajectórias nacionais próprias, distintas e adequadas de desenvolvimento, na procura de redefinições sobre metodologias concretas, que viessem a definir propostas mais consentâneas com a realidade no nosso País.   
A persistência e pressão desses grupos dominantes, exercida e condicionando o poder político nas grandes decisões, refletiram-se negativamente no desenvolvimento previsto, a médio e longo prazo, afastando-se a olhos vistos dos objetivos definidos aquando da integração europeia, e hipotecando definitivamente a ambição de acompanharmos de pleno direito e de modo sustentado, “O Sonho Europeu”.  

Fator determinante para a persistência e manutenção dessas elites e grupos económicos, só é possível, porque existe uma concentração de poder instituído em dois blocos políticos, PS e PSD, que, alternadamente, à frente dos destinos do país, criaram ao longo de quase quatro décadas de democracia, uma clientela de pessoas sem escrúpulos, arrogantes e gananciosos, que se vão revezando nos principais lugares de decisão e administração do Estado, num proteccionismo preocupante e, porque não dizê-lo, mafioso.
Custa, e de que maneira, às gerações que viveram Abril, aceitar de braços caídos toda uma panóplia de jogos oportunistas, daqueles que de forma dissimulada, à sombra dos pavilhões partidários, esquecendo promessas eleitorais, paulatinamente e a coberto dos governantes, vêm impondo políticas de austeridade, recuperando dissimuladamente novas e perigosas elites em adiantado estado de putrefacção nas fraldas da democracia, num autêntico processo de destruição estrutural das condições de existência das populações, acenando com o espectro do cadáver em adiantado estado de putrefacção que é o fascismo. 

Para uma geração como a minha, que viveu Abril com confiança e esperança no seu mais belo esplendor, torna-se imperativo tomar posição, sair à rua e denunciar esta derrocada de manipulação e pilhagem de políticas genocidas, e fazer todos os esforços, para que não acabemos festejando amargamente, no que se está a transformar a passos largos numa sentença de morte a médio prazo, de um sonho que alimentou o Povo e Militares que saíram à rua em Abril de 1974.

João Carlos Soares                                                         
Barreiro, 01 de Setembro de 2012