As relações de força, entre as diversas forças políticas, resultado de vários
processos eleitorais pós 25 de Abril de 1974, abriram-nos as portas a uma
sociedade democrática, aberta para o exterior, mais equilibrada, mas com uma
economia deficitária.
Aderimos à grande família europeia, na expectativa de nos aproximarmos
dos restantes países, num mercado sem fronteiras, mas com uma economia lutando
contra as políticas neoliberais ou ultraliberais, resultantes da globalização e
ambiciosos interesses dos mercados por toda a europa, onde a especulação
financeira e o desmantelamento sistemático das conquistas sociais antes
adquiridas, conduziram inevitavelmente aos desastre que, após vários alertas,
se manifestou abertamente em 2008, tendo como principal origem a falência do
Lehman Brothers.
A União Europeia, tentou escapar à espiral demolidora que se seguiu,
pondo em risco todo o processo de integração, obrigando os países menos
apetrechados e debilitados economicamente, a processos de resgate das dívidas,
entretanto contraídas, os quais, tendo aderido à moeda única, caíram na
armadilha, arrastados por correntes ideológicas que estão na origem da crise,
continuando a dominar as políticas europeias e os governos desses países,
forçando os mais desfavorecidos, a pagar o preço da regressão social em que
actualmente nos encontramos.
A emancipação desses países, está neste momento a ser posta em causa,
mesmo que se permitam algumas liberdades formais, afastando-os cada vez mais do
seu objectivo, quando aceitaram entrar no projecto europeu, impondo políticas
de austeridade, aumentando o desemprego, a emigração de milhares e milhares de
jovens e menos jovens, fracturando os alicerces da competência e do
conhecimento da nossa sociedade, colocando jovens contra idosos, funcionários
públicos contra trabalhadores do privado, desempregados contra empregados,
gerando o desespero e agravando as desigualdades no seio das famílias, enquanto
assistimos diariamente à promiscuidade entre a política e os negócios, sujeitos
aos usurários da Tróica, condicionando a nossa soberania.
São cada vez mais os pobres em Portugal, vivendo alguns abaixo do limiar
da pobreza, enquanto algumas centenas de multimilionários vêem aumentar as suas
fortunas, à custa da precaridade de empregos e baixos salários, obrigando os
jovens e outros menos jovens, a ter que recorrer às parcas economias dos seus
pais, ou reformas, para fazerem frente às dificuldades em que a austeridade os
colocou, invertendo-se todo um processo intergeracional.
Enquanto a maioria dos cidadãos se sentir vítima da injustiça e da
iniquidade dos poderes, mais difícil se tornará conter nos limites da
organizações e das instituições de integração política e social os conflitos e
os protestos.
Quando o Estado e os governantes, não respeitam a Lei, a Constituição,
nem as prerrogativas e as competências de um órgão de soberania como o Tribunal
Constitucional, atacado inclusive pela Comissão Europeia e FMI, quando são o
Estado e os governantes a não respeitarem os direitos dos cidadãos, fazendo
gato-sapato e pondo em causa esses direitos adquiridos, nenhum direito
liberdade ou garantia se poderá considerar salvaguardado pelo sistema
político-económico.
Ao não respeitarem princípios constitucionais como o da igualdade,
protecção e confiança, proporcionalidade e o da não retroactividade
legislativa, é o mesmo que colocar um ponto final no pacto social vigente,
afastando-se da ética a que o Estado deve estar subordinado.
Perante estes factos, os cidadãos sentem-se no dever e no direito de
recorrer à desobediência civil, pois numa verdadeira democracia, que não esta
em que vivemos, a soberania e a legitimidade do poder residem na Nação ou no
Povo e não nos interesses dos mercados internacionais. Quer o governo, quer as
estratégias económico-financeiras, obrigam-se e devem estar submetidas à Lei e
à Política e não o inverso.
Esta subversão da Lei e das regras da Democracia pelos poderes instalados
em nome dos interesses obscuros que os subjugam, conduz à falência das
instituições, ao desvio no direito dos princípios e dos valores, se os partidos
e os outros aparelhos que suportam a Democracia não conseguirem responder às
expectativas e às reivindicações dos cidadãos.
Se as respostas tardarem em aparecer, dando uma solução plena às
realidades e desafios do mundo contemporâneo, Portugal poderá entrar numa
situação de instabilidade e turbulência, com contornos de violência que poderá
hipotecar um sonho alimentado por diversas gerações de um futuro com dignidade.
Vivemos um período onde as redes sociais têm um papel importante no
dia-a-dia dos cidadãos, onde a mensagem flui com enorme facilidade, o que
demonstra a falência dos sistemas políticos, perante o potencial de mudança
presente nas sociedades escravas do capitalismo globalizado e especulativo.
É preciso e urgente encontrar uma nova energia, mobilizando toda a
sociedade para a defesa dos direitos fundamentais, da ética na política e da
submissão dos interesses particulares ao interesse geral e à prossecução do bem
comum.
Se não formos capazes e competentes para levar a efeito uma reforma do
sistema político e dos partidos, por forma a modificar as dinâmicas produtivas
da sociedade em alternativa ao poder, se não conseguirmos reinventar a
democracia e reorganizar a nossa economia, tendo como objectivo libertar a
condição e dignidade do ser humano, então seremos, quase por certo, em poucos
anos, confrontados de um momento para o outro com um acréscimo de desobediência
civil, podendo até transformar-se um dia em revolta.
Torna-se igualmente necessário impedir o acesso de populistas e
extremistas aos corredores do poder, evitando assim que a história se repita,
impedindo que do ultraliberalismo conduzido pela ganância e indiferença social
que destrói e atropela os direitos sociais e políticos entretanto adquiridos de
gerações, venham a aparecer outras formas de autoritarismo e totalitarismo,
possivelmente mais perversas e sofisticadas do que aquelas que se conheceram em
épocas não tão longínquas como poderá parecer.
João Carlos Soares
Barreiro, 17 de Janeiro de 2014
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