DEMOCRACIA – INFORMAÇÃO - TOTALITARISMO
A sociedade portuguesa, ao longo da história, fez paulatinamente um caminho conturbado, na maioria das vezes, na direção e consolidação de modelos políticos, centralizados no culto da individualidade, apenas interrompido, com o golpe militar do movimento das forças armadas, em 25 de Abril de 1974.
A abertura e conquista das democracias na Europa, resultado de uma intensiva e diversificada reivindicação popular, cada vez mais forte, através de movimentos sociais e do desenvolvimento tecnológico, aumentou a percepção nas populações, sobre a necessidade da construção de modelos democráticos cujas instituições, assegurassem não apenas a igualdade formal e a liberdade individual, mas as condições sociais, materiais e intelectuais que possibilitassem a inclusão e reconhecimento de todas as potencialidades das pessoas, para terem autonomia nas decisões e, consequentemente, democracias fortes, justas e equilibradas.
Diversas tentativas de desenvolvimento de novos modelos de democracia, alternativos aos existentes, vêm sendo projectados e testados em todo o mundo. A análise histórica e o estudo de experiências bem sucedidas são fundamentais para se pensar em como melhorar a participação da população na vida pública, além de evitar erros que, no passado, nos levaram a regimes totalitários.
O método utilizado para tanto é o inclusivo e as técnicas de pesquisa são bibliográficas, através de testemunhos históricos, partindo-se da análise de exemplos de sistemas democráticos e totalitários no século passado, assim como a construção teórica dos fundamentos, princípios e valores da democracia e do indispensável Estado de Direito.
Realizaram-se diversas tentativas para maximizar o convívio entre as pessoas, gerando diferentes formas de organizações colectiva. O conhecimento disperso na sociedade, consolidou-se através de instituições que representam um conjunto de valores de diferentes grupos culturais e sociais.
A partir da interconexão de pensamentos e de inúmeras interações humanas, a população chegou a diferentes conjuntos de valores que expressavam um significado diferente, de acordo com a sua cultura e tradição histórica. O impacto entre diferentes culturas, valores e formas de enxergar o mundo, influenciou a reunião de grupos sociais que passaram a reivindicar direitos e a exigir representatividade política.
Esta reivindicação por direitos de cidadania, influenciaram ao longo dos tempos, as teorias de democracia e as formas históricas de Governo até aos dias de hoje, determinando a evolução dos conceitos de democracia, desempenhando um importante papel na consolidação das chamadas democracias institucionais através da igualdade jurídica e da possibilidade de participação a partir da liberdade individual, de organização e de expressão, entre outras.
Contudo, percebemos hoje, pela observação e constatação dos vários exemplos, em partes diferentes do continente europeu, e não só, que o mesmo não assegurou as condições sociais necessárias à autonomia das pessoas e à orientação favorável de certos valores, o que tem contribuído para diversos tipos de crise, políticas, económicas e ultimamente sanitárias, provocando inevitáveis momentos de contestação e rotura, no funcionamento normal do sistema.
A cada dia que passa, cada vez mais movimentos e facções contestatárias, algumas vezes violentas, surgem quase que por improviso, alimentadas pelo aprofundamento do fenómeno da globalização e, acessível, face ao avanço das tecnologias da informação e da comunicação, ampliando assim, as relações sociais e possibilitando uma nova dimensão de acções colectivas, com diversas identidades culturais e políticas, em diferentes partes do mundo.
Tudo isto se torna possível e a uma velocidade impressionante, através do alcance e efeito das novas tecnologias, em rede local ou global, para atingir os domínios da vida social, económica e política.
Os movimentos radicais, extremistas, apropriam-se dessa capacidade de funcionar por impulso em rede, numa luta pelo domínio social, favorecendo-se do facto, desses movimentos também terem ganho força a partir da consolidação da mesma democracia que pôs fim a regimes totalitários, através de revoluções ou processos orgânicos e graduais, criando um ambiente favorável e menos repressivo para que as populações se pudessem aglutinar legalmente para demonstrar a sua insatisfação.
O desenvolvimento das tecnologias, e até a melhoria dos sistemas de comunicação e das tecnologias de informação, impactou significativamente todas as sociedades, que a partir dessa transformação, fundamentada num crescer do poder e capacidade dos meios de informação para exercer o direito de opinião, por parte dos cidadãos, fica cada vez mais complexo encontrar um significado exacto para a democracia em que vivemos .
As disputas e sede pelo poder, em Portugal e no mundo, e a dicotomia entre totalitarismo e democracia tornam-se menos evidentes hoje, em comparação com os períodos subsequentes ao Movimento dos Capitães de Abril, ou mesmo após a queda do Muro de Berlim e fim da chamada Guerra Fria.
A tecnologia e a internet consolidaram-se como ferramentas que fornecem para a sociedade um acesso a informações que possibilitam vislumbrar uma democracia quantitativamente mais representativa, ou seja, com um maior número de meios e de conteúdos diversos, disponível, através de um acesso instantâneo a uma quantidade quase ilimitada de informações, modificando e adaptando, dessa forma, as capacidades disponíveis para influenciar, com orientações, por vezes duvidosa, as disputas políticas.
Embora os agentes públicos tenham maior dificuldade para esconder informações para a população, instala-se uma guerra na informação em que a sociedade tem dificuldade de perceber o que é verdade e o que é falso, ou seja, embora ela possibilite o acesso à verdade, essa verdade pode ser escondida através de informações dispersas na complexa rede.
Neste contexto de disputa, entre pessoas com diferentes culturas, valores, pensamentos e demandas para determinar o rumo da sociedade, é cada vez mais difícil encontrar um sistema que possa agradar a todos. O sentimento dos cidadãos, que não se sentem representados pelas diversas famílias, no actual quadro político, é cada vez mais evidente pelo crescente e perigoso aumento de abstencionismo, e pela força e mensagem passada através da internet, quer pela facilidade de intercambio cultural proporcionado pela globalização através do desaparecimento das fronteiras.
É provável e natural que, a sociedade, esteja permanentemente na procura de um sistema que se aproxime mais das suas necessidades, uma vez descrente do papel dos actores e protagonistas do actual sistema democrático, talvez idilicamente capturados por valores completamente desalinhados, num sistema em constante processo de amadurecimento na relação entre o Estado e a sociedade.
Desse modo, quaisquer considerações acerca do impacto da internet e das novas tecnologias na relação da sociedade com a política, com o fim de mostrar como o seu surgimento provocou uma mudança enérgica na actuação e comunicação, na forma e no conteúdo, como os representantes políticos se precisam adaptar a um novo padrão de interacção, em detrimento dos métodos dum passado recente, são um desafio que sabemos comportar riscos, alguns irreversíveis, porque como a História nos ensinou e transmitiu, ao longo de várias gerações, as crises de identidade e discernimento na consciência dos povos, inevitavelmente empurra as sociedades para o egocentrismo e o culto dos Messias.
Neste contexto surgem diversos movimentos para o controle da internet por parte do Estado através de empresas tecnológicas, baseado e suportado com a argumentação de problemas de segurança nacional, proteção das populações, contra crimes e terrorismo, permitem e aumentam as tentativas do Estado, de controle sobre a Internet e colocam em causa, um direito consignado em regimes democráticos, a privacidade dos cidadãos.
Medidas antidemocráticas, tendem a ser implementadas, com o argumento de que a manutenção da segurança nacional será necessária e indispensável, para a preservação e segurança da democracia.
A intervenção governamental nas redes de comunicação abre brechas para a diminuição de direitos e liberdades individuais e, como consequência, enfraquece a própria democracia.
O controle das informações traficadas na rede, o fim ou condicionamento do direito à privacidade na rede, permite, ao Estado, um controle social efectivo, informação essa que pode ser utilizada para descobrir crimes praticados, ao mesmo tempo em que a captura dessa mesma informação, coloca a nu e deixa os seus utilizadores à mercê da censura e inquisição, mecanismos próprios de Estados Ditatoriais.
As redes sociais podem contribuir para a democratização da informação para além dos tradicionais veículos de comunicação, mas também pode ser utilizada para induzir comportamentos menos claros e ou a reprimir opiniões que possam ser consideradas incómodas.
O controle das informações, tal como está, pode vir a transformar-se num instrumento que cerceia a liberdade de expressão e abre caminho para o totalitarismo no nosso século.
Sabendo-se que a democracia assenta num pilar fundamental, o do poder exercido pelo povo, na aposta e escolha de representantes para, em seu nome, tomarem decisões importantes no garante da defesa de direitos e condições de igualdade para todos.
O conceito de democracia, torna-se, muitas vezes, difícil de ser entendido, pois muitas vezes se contradiz com as próprias escolhas do povo. Através da democracia é possível que a própria população escolha, induzido por alguma propaganda populista extremamente bem concertada, vir a limitar a sua participação e caminhar em direção a regimes totalitários.
Essa percepção e engodo populista, apenas será sentida pelos cidadãos e a sociedade num todo, no momento em que a democracia ultrapassa o risco, para o totalitarismo, em consequência da decadência e desconfiança da própria democracia.
Os valores da democracia são o resultado do consenso de maiorias sufragadas, respeitando os direitos das minorias, no entanto, esses direitos fundamentais e básicos, geralmente são colocados em segundo plano, o que a torna, por isso mesmo, mais fragilizada e alvo de ditadores sem consciência social.
Todas as regras são pensadas a partir da vontade da maioria e, após isso, teoricamente, deveria ser verificado, se existe ou não um desrespeito das liberdades individuais e aos direitos fundamentais. Pretendo com isto transmitir que, uma ideia de democracia associada exclusivamente a participação, a igualdade formal e a liberdade individual, deixa de considerar como necessário para a democracia efectiva, a necessidade destas condições aliadas às condições sociais, económicas e materiais, para que todos possam participar de maneira ativa e autónoma na formação dos governos e no controle da vida social.
O poder tende a corromper, e o poder absoluto pode corromper completamente os protagonistas, daí que, existam inúmeros casos na História, quando se alimentam individualidades, como se tratasse de um qualquer deus salvador, transformando inevitavelmente essas individualidades endeusadas, em autênticos monstros totalitários e repressivos, situação que devemos evitar e impedir, a todo o custo.
No meu entender, temos o dever e a obrigação de advertir sobre o risco da legitimação do poder, através do regime em democracia, das mensagens e capacidade propagandista de alguns grupos minoritários, mas desprovidos de qualquer consciência social, cultural e económica aos grupos que detêm interesses diversos no sistema da política.
Portanto, dentro do sistema político, o ideal democrático deve manter o respeito pela igualdade de condições de participação, da elaboração e finalidade das políticas públicas e não ser reduzido apenas à formalidade dos actos eleitorais, de tempos a tempos, e a existência de uma pluralidade de partidos.
Entender até onde um sistema político pode influenciar e interferir na vida e futuro das pessoas e quanto poder deve ser colocado na mão dos representantes políticos, é o maior desafio reservado e colocado na mão dos cidadãos, numa democracia.