terça-feira, fevereiro 20, 2007

Corrupção e Sistema (...cont)


Parte IV


Se alguma coisa os textos que apresento não pretendem de todo, é macerar aqueles que perdem tempo em lê-los, nem utilizar rectóricas anarquistas, muito menos utilizar argumentos heterodoxos, tentando transmitir de forma descomprometida, aquilo que me vai na alma, quase como obrigação, compartilhando os meus temores com quem tal esforço faça.
O compartilhar reflexões sobre política de esquerda, serão desde sempre os objectivos que me motivam.
Confesso, que sempre usei do meu direito, enquanto cidadão, de contribuir com o voto nas urnas para a consolidação do sistema eleitoral vigente, respeitando contudo aqueles que assumem posição contrária, não usando desse direito, mas servindo-se dessa posição igualmente como opção legítima.
Não quero fazer julgamentos morais a quem usa desse direito, tal como não é minha intenção concordar ou discordar de quem se serve desse direito, como forma de mostrar o seu desagrado e insatisfação.
Por outro lado, é com respeito e admiração que encaro todos aqueles, que aceitaram a opção da política nas suas vidas, perfilhando conceitos e valores através da institucionalização partidária. Só dessa forma se entende que um número cada vez maior estará em consonância na crítica social e política na defesa dos princípios em que ainda acreditamos.
Tem que ser com respeito e admiração, a forma como devemos encarar todos aqueles que nas bases partidárias, se expôem e entregam de corpo e alma, a um projecto político no qual acreditam e apostam, investindo todas as suas energias na militância partidária como única motivação.
Já o mesmo não defendo nem posso aceitar, quando uma estirpe de intelectuais, conselheiros e comissários políticos, instalados e encastelados abastadamente nas torres das instituições públicas, através de nomeações e pactos de regime partidário, mas que não têm nem desempenham qualquer papel ou compromisso nas áreas sociais e políticas, nas comunidades que os sustentam.
Contudo, estou convencido que na actual conjuntura, a abstenção nunca poderá ser a alternativa para consagrar um descontentamento crescente, o qual venha a questionar através do voto a falta de legitimação do sistema político e eleitoral, consciente que o caminho deverá passar e vir a concretizar-se num acto consciente pela anulação do voto nas urnas.
O peso do voto nulo em processos eleitorais, pode contribuir num futuro próximo, de forma inquestionável na transformação indispensável das instituições representativas, bem como no garante da defesa da própria democracia, através do choque que provocará na política convencionalmente aceite.
Institucionalmente, a política foi quase sempre uma actividade muito restrita a uma minoria da sociedade. Após o 25 de Abril com a instauração da democracia participativa, todo o panorama sofreu roturas com o passado e a liberdade participativa das populações tomou conta do palco político.
Passados mais de 30 anos de democracia, sentimos algum retrocesso ao conceito de representatividade, a qual começa a ser questionada e posta em causa inclusivé no interior das instituições representativas, que são os partidos.
Entre os conceitos de democracia, existe a ilusão de que o exercício da política é uma actividade de massas. Nada mais despropositado, pois o voto em cada acto eleitoral não pode ser considerado como sinónimo de participação activa na política, mas simplesmente o exercício de um direito e um dever de cada cidadão em democracia.
Estudos e consultas junto do eleitorado e actos eleitorais recentes, vêem mostrando cada vez mais o abstencionismo dos cidadãos, bem como num acréscimo de absentismo dos cidadãos em actos de cidadania.
O descrédito na relação da comunidade com os políticos e com a política, é uma reacção que é facilmente compreendida. No quotidiano do cidadão comum, a necessidade de conveniência impele cada indivíduo a viver absorvido e imerso nos seus problemas, desejando acima de tudo, para que na melhor das hipóteses, não vejam as suas vidas atrapalhadas com medidas e acções dos políticos.
Vão acompanhando o que se vai passando através dos jornais, televisão, etc..., absorvendo no máximo aquilo que lhe poderá vir a afectar directamente a sua vida, descorando e não levando em conta os noticiários políticos, como se estes em nada lhes dissesse respeito.
Esta reacção é sintomática da abstracção a que este mundo da política é votado pela maioria da população, que acha que a política e as coisas da política, se restringe apenas a uma determinada classe social. Parece-lhes que os políticos vivem numa esfera diferente das suas. Quer a classe operária, quer os empresários que não estão envolvidos nas suas instituições de classe, apenas esperam que os deixem viver sem grandes sobressaltos e traumas. Para este tipo de pessoas, os políticos e a política são simplesmente um estorvo, aceitando-os no mínimo como um mal necessário à sociedade a que pertencem.

Serão estes personagens da sociedade, num futuro/presente uma espécie de analfabetos políticos?


(cont....)
João Carlos Soares

Corrupção e Sistema (...cont)

Parte III

Nada pode ser mais preocupante em qualquer sistema democrático, que o aumento da falta de confiança nos representantes eleitos.
Nesse momento, toda a sustentabilidade e legitimidade na qual o sistema se alicerça, cai por terra, desmoronando-se fatidicamente, abrindo caminhos a movimentos duvidosos, proporcionando a ascensão de déspotas oportunistas, os quais servindo-se do efeito dominó, fácilmente ganham apoios e congregam em seu redor órfãos de uma sociedade em rotura.
É indispensável que os partidos comecem a perceber este binómio, desenvolvendo políticas que se enquadrem em respostas efectivas às necessidades dos mais desfavorecidos, decisões estratégicas equilibradas, onde a transparência e a lucidez dos seus dirigentes, torne a conquistar, ganhando a sua confiança, aqueles que foram perdendo quando se esqueceram a quem serviam.
É verdade que estamos na era do descartável, é verdade que estamos no tempo em que as mais valias se sobrepôem aos valores de uma sociedade justa, é verdade que nos esquecemos de onde vimos, mas não podemos esquecer como e para onde queremos ir, e que esse objectivo nunca poderá vir a ser atingido, sem que haja coragem para romper e quebrar estigmas, afrontar e confrontar ideias e preconceitos, sobrepondo sem qualquer tipo de receio a razão e a justiça.
Só assim a população que nos elege voltará a acreditar nos seus representantes.
Vale a pena observar que essa descrença e falta de confiança não se resume a este ou aquele partido ou facção política, mas tornou-se nos últimos tempos, num crescendo que varre todos, sejam eles de esquerda, centro, direita ou radicais.
A prática nos partidos das estratégias de terra queimada e descarado clientelismo, têm de uma forma quase acintosa gerado feridas dilacerantes no seio da militância partidária, as quais se fazem sentir, a cada dia que passa, numa contestação e num contraditório sem freio, atentando contra tudo e contra todos, num claro desafio à liderança, quartando toda ou qualquer hipótese de concretização dos objectivos programáticos definidos e consignados nos programas sofragados.
Esta crise que atinge a sociedade portuguesa, não sendo uma exclusividade da esquerda, torna-se mais notada, em virtude dessa mesma esquerda não ter a coragem de assumir em primeiro lugar a defesa dos interesses daqueles com quem se identifica, e dos seus executores se colocarem numa situação egoista, preocupados consigo próprios num quadro institucional de poder, salvaguardando os seus interesses directos em detrimento daqueles que os elegeram e em quem confiaram o seu futuro.
A classe política tem que entender que tal como referi no início deste texto, estamos numa era em que cada vez mais o descartável é regra, mas não poderemos, nem consentiremos que nos tratem como um qualquer assalariado, em que os únicos direitos que lhes são reconhecidos e consignados são a obediência, a ignorância e a resignação.
A estatização dos partidos, resultante da dependência dos mesmos enquanto poder, serve e aplica-se conscientemente para evitar tudo quanto possa contradizer, ou por em causa o Governo. Esta teoria serve e é o mesmo que dizer, que os partidos desvirtuam e deformam os seus conceitos e crenças, transformando-se em organizações permanentemente ameaçadas pelo poder estatal, num forte, envolvente e sufocante abraço, a todos aqueles a quem deveriam proporcionar uma cada vez maior qualidade de vida.
Pelo contrário, aquilo a que somos chamados a assistir como testemunhas, não passa de um pesadelo criado pelas elites, onde os interesses dos mais desfavorecidos só servem para ilustrar caricaturas de mau gosto, onde o que apenas não mudou, continua a ser o discurso político do partido.


(cont...)
João Carlos Soares

domingo, fevereiro 04, 2007

Corrupção e Sistema (...cont)

Parte II


Existem pessoas, tal como eu, que nos encontramos no limiar ou mesmo até à beira de um abismo, onde pouco ou nada falta para que uma enorme descrença na democracia provocada pelo desgaste e falência nos partidos, precipite a nossa confiança, em acreditar na possibilidade de se construir um país com mais dignidade, onde a ética e a justiça se perfilem numa grande marcha contra o autoritarismo, o individualismo de alguns ou o populismo e demagogia das elites instaladas.
Começamos a sentir e a sofrer as consequências da fraude e desrespeito pela lei, onde o salve-se quem puder prevalece, e hipoteca a credibilidade dos partidos, através do descontentamento e expectativas defraudadas dos seus militantes e simpatizantes, manifestadas quase sempre num compulsivo afastamento e contestação aos seus dirigentes.
Com todos estes desequilíbrios que um sistema democrático proporciona, começam a gerar-se algumas preocupações em determinados meios de influência, receando-se até que o descrédito da população nos políticos e subsequentemente arrastando esse descrédito em relação ao próprio sistema, possa mais tarde ou mais cedo vir a criar condições a ideias autoritaristas, como desculpa e argumento para a refundação de um novo ou qualquer sistema político eleitoral, pela reconstrução dos ideais republicanos, num esforço pela salvação da pátria.
O crescendo da abstenção, votos nulos e brancos de processo em processo eleitoral, devem inquietar e preocupar todos aqueles que defendem um sistema democrático, pautado pela defesa dos valores e direitos dos cidadãos, sustentado numa estrutura representativa, justa, séria e credível entre os seus pares.
Nos últimos anos, temos assistido a uma passividade consentida dos governos, evitando tocar sectores da sociedade, como forma expedita de manter apoio eleitoral, alterações essas, que de uma forma ou outra, venham a proporcionar e restabelecer uma maior equidade social, como exemplo, o que se passou nalgumas classes sociais privilegiadas, Juízes, Médicos, Professores, Políticos, etc......
Não é o que se passa neste momento com o actual governo, pois de todos os que nos últimos anos têm tido a oportunidade de o fazer, foi o único, que até ao momento, tem tomado algumas iniciativas reformistas, as quais sendo no meu entender de alguma forma exíguas, são com certeza, um sinal de vontade e predisposição para alterar os acontecimentos, e pela primeira vez criar reacções rompendo com tabus e privilégios.
Se o Governo alguma coisa tem vindo a fazer no desempenho do seu programa, apresentando algumas reformas, que têm para todos os efeitos criado mexidas na inércia constatada nos últimos anos, também é verdade que algo mais deveria ter sido feito a nível da corrupção, tendo com a posição assumida pelo grupo parlamentar que suporta o Governo, rejeitando o plano recentemente apresentado pelo Eng. João Cravinho, levantado mais uma vez dúvidas e desconfiança na razão das suas intenções e, de certa maneira, perdendo, julgo, na altura certa, esta oportunidade única.


(cont.....)

João Carlos Soares