Passados quarenta anos de democracia
participativa, são os cidadãos eleitores colocados diante um sem número de
escândalos, que marcam e flagelam este período de regime, a tal ponto que
começam a soar os alarmes para o facto de corrupção representar, já hoje, uma
séria ameaça à sobrevivência da própria democracia.
A democracia, conquistada através de
muita luta e coragem, por parte daqueles que nunca se acomodaram e enfrentaram o
regime castrador e retrógrado imposto por Oliveira Salazar e mais tarde Marcelo
Caetano, muitas vezes com o custo da própria vida, numa sociedade que vivia
anos terríveis e sombrios, onde o fantasma de uma guerra nas colónias, alimentada
por meia dúzia de privilegiados, era mantida à custa da vida de uma juventude
inocente, impedida, por isso, de ter futuro.
Nas fábricas e nos estabelecimentos
de ensino, operários, estudantes e alguns intelectuais, enfrentavam e eram
perseguidos por esbirros infiltrados a soldo do sistema, massacrados por uma
ditadura cruel e feroz, que calava os ecos de uma crescente insatisfação
popular, subjugada a um governo déspota e irracional, encapotada por uma
Assembleia de supostos representantes do povo, que era a Assembleia Nacional.
Instalado o sistema democrático, com
o movimento revolucionário do 25 de Abril de 1974, encabeçado por militares que
se vinham afastando cada vez mais das linhas condutoras impostas, a sociedade
civil sentiu os ventos da liberdade prometida, e o direito à livre e soberana
escolha dos seus representantes.
Passados os primeiros tempos de
algum alento e esperança no futuro, começaram as convulsões ao mais alto nível
político, onde o peso do poder dos mercados, como suprema autoridade nos
destinos do país, falou mais alto que o ideal libertário frustrado das
populações, em detrimento de uma autêntica quadrilha de gente sem escrúpulos,
que se têm apropriado das rédeas do poder, sem solução à vista para os graves
problemas que assolam o país, e para o qual foram os principais responsáveis.
De eleição em eleição, aumenta a
desilusão e a frustração das populações, onde os projetos e sonhos de melhoria
de vida dos diversos e vastos setores da sociedade, aos muitos excluídos,
acabam por desaparecer, face à atitude daqueles que, uma vez no poder, se
esquecem rapidamente das críticas e promessas com que se apresentaram ao seu
eleitorado, e sobre as quais foram sufragados.
Promessas não cumpridas, projetos
sociais que, num piscar de olhos se transformam em quimeras, levam, mais uma
vez, à desilusão, ao desencanto, provocando reminiscências saudosistas e
perigosas de um retorno ao passado, que passam a fazer parte do oportunismo de
algumas mentes doentias, abrindo espaço para os oportunistas, que manipulando
setores mais abrangentes da sociedade e plateias inocentes, se fazem ouvir e se
afirmam com discursos inflamados e carregados de hipocrisia, que conduzirão de
novo a sociedade a uma paz podre e ao retorno da repressão, exclusão e medo,
sem cidadania.
Em consequência, teremos o retorno
do medo, do terror, das perseguições, da tortura e a ausência dos direitos
fundamentais inerentes a uma sociedade civilizada e justa, onde a força e o
triunfo do estado policial todo-poderoso e sem limites, impedirá o pleno
exercício dos direitos essenciais e fundamentais à cidadania.
Sem qualquer dúvida, não é essa a
escolha nem o desejo dos portugueses, numa sociedade que se pretende
civilizada, pois a verdadeira paz e equilíbrio numa sociedade, só sobreviverá
enquadrado numa democracia reforçada com o pleno exercício dos direitos
fundamentais de cidadania.
A concretização dos objetivos de construção
e consolidação de uma sociedade livre, justa e solidária, terá que ter
incondicionalmente como alicerces a dignidade de todos os cidadãos, sem
exceção, e a prevalência dos direitos consignados pela Constituição Portuguesa,
e, essencialmente, na certeza absoluta de que todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a todos o direito a uma vida
digna, com liberdade, igualdade e segurança.
A questão não está no exercício da
política, mas sim nas escolhas que o povo faz, conduzidos e aliciados por
campanhas ostensivamente bem organizadas. Respeito a posição dos que ainda
investem as suas capacidades e virtudes na política institucional e militância
partidária, pois exercem um direito que a democracia nos concede, fazendo
melhor que os que simplesmente criticam por criticar, fortificados e a coberto
de instituições públicas e que fazem o papel de conselheiros, mas que não
passam de intelectuais isolados sem qualquer compromisso social ou político.
Os que escolhem o caminho da
política com honestidade, tentam fazer algo para mudar a triste realidade
social e política portuguesa, pois uma sociedade justa não se constrói só com
teorias e abstrações de alguns, que às vezes parecem viver noutro mundo que não
o nosso, sabendo-se que as ideias só ganham força quando materializadas.
Não pretendo fazer com isto,
julgamentos morais dos que escolheram o caminho político dos partidos e do seu
caráter institucional, pois também eu trilhei esse caminho. Cada um sabe o que
quer, mas o que todos sabemos, é que é necessário, mais do que nunca, estarmos
juntos na crítica social e política e na defesa dos princípios em que ainda
acreditamos, apesar do estado da nação e do historial dos partidos em Portugal.
João Carlos Soares
Barreiro, 05 de Março de 2013
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