quinta-feira, março 14, 2013

Reminiscências Saudosistas


Passados quarenta anos de democracia participativa, são os cidadãos eleitores colocados diante um sem número de escândalos, que marcam e flagelam este período de regime, a tal ponto que começam a soar os alarmes para o facto de corrupção representar, já hoje, uma séria ameaça à sobrevivência da própria democracia.
A democracia, conquistada através de muita luta e coragem, por parte daqueles que nunca se acomodaram e enfrentaram o regime castrador e retrógrado imposto por Oliveira Salazar e mais tarde Marcelo Caetano, muitas vezes com o custo da própria vida, numa sociedade que vivia anos terríveis e sombrios, onde o fantasma de uma guerra nas colónias, alimentada por meia dúzia de privilegiados, era mantida à custa da vida de uma juventude inocente, impedida, por isso, de ter futuro.
Nas fábricas e nos estabelecimentos de ensino, operários, estudantes e alguns intelectuais, enfrentavam e eram perseguidos por esbirros infiltrados a soldo do sistema, massacrados por uma ditadura cruel e feroz, que calava os ecos de uma crescente insatisfação popular, subjugada a um governo déspota e irracional, encapotada por uma Assembleia de supostos representantes do povo, que era a Assembleia Nacional.
Instalado o sistema democrático, com o movimento revolucionário do 25 de Abril de 1974, encabeçado por militares que se vinham afastando cada vez mais das linhas condutoras impostas, a sociedade civil sentiu os ventos da liberdade prometida, e o direito à livre e soberana escolha dos seus representantes.
Passados os primeiros tempos de algum alento e esperança no futuro, começaram as convulsões ao mais alto nível político, onde o peso do poder dos mercados, como suprema autoridade nos destinos do país, falou mais alto que o ideal libertário frustrado das populações, em detrimento de uma autêntica quadrilha de gente sem escrúpulos, que se têm apropriado das rédeas do poder, sem solução à vista para os graves problemas que assolam o país, e para o qual foram os principais responsáveis.
De eleição em eleição, aumenta a desilusão e a frustração das populações, onde os projetos e sonhos de melhoria de vida dos diversos e vastos setores da sociedade, aos muitos excluídos, acabam por desaparecer, face à atitude daqueles que, uma vez no poder, se esquecem rapidamente das críticas e promessas com que se apresentaram ao seu eleitorado, e sobre as quais foram sufragados.
Promessas não cumpridas, projetos sociais que, num piscar de olhos se transformam em quimeras, levam, mais uma vez, à desilusão, ao desencanto, provocando reminiscências saudosistas e perigosas de um retorno ao passado, que passam a fazer parte do oportunismo de algumas mentes doentias, abrindo espaço para os oportunistas, que manipulando setores mais abrangentes da sociedade e plateias inocentes, se fazem ouvir e se afirmam com discursos inflamados e carregados de hipocrisia, que conduzirão de novo a sociedade a uma paz podre e ao retorno da repressão, exclusão e medo, sem cidadania.
Em consequência, teremos o retorno do medo, do terror, das perseguições, da tortura e a ausência dos direitos fundamentais inerentes a uma sociedade civilizada e justa, onde a força e o triunfo do estado policial todo-poderoso e sem limites, impedirá o pleno exercício dos direitos essenciais e fundamentais à cidadania.
Sem qualquer dúvida, não é essa a escolha nem o desejo dos portugueses, numa sociedade que se pretende civilizada, pois a verdadeira paz e equilíbrio numa sociedade, só sobreviverá enquadrado numa democracia reforçada com o pleno exercício dos direitos fundamentais de cidadania.
A concretização dos objetivos de construção e consolidação de uma sociedade livre, justa e solidária, terá que ter incondicionalmente como alicerces a dignidade de todos os cidadãos, sem exceção, e a prevalência dos direitos consignados pela Constituição Portuguesa, e, essencialmente, na certeza absoluta de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a todos o direito a uma vida digna, com liberdade, igualdade e segurança.
A questão não está no exercício da política, mas sim nas escolhas que o povo faz, conduzidos e aliciados por campanhas ostensivamente bem organizadas. Respeito a posição dos que ainda investem as suas capacidades e virtudes na política institucional e militância partidária, pois exercem um direito que a democracia nos concede, fazendo melhor que os que simplesmente criticam por criticar, fortificados e a coberto de instituições públicas e que fazem o papel de conselheiros, mas que não passam de intelectuais isolados sem qualquer compromisso social ou político.
Os que escolhem o caminho da política com honestidade, tentam fazer algo para mudar a triste realidade social e política portuguesa, pois uma sociedade justa não se constrói só com teorias e abstrações de alguns, que às vezes parecem viver noutro mundo que não o nosso, sabendo-se que as ideias só ganham força quando materializadas. 
Não pretendo fazer com isto, julgamentos morais dos que escolheram o caminho político dos partidos e do seu caráter institucional, pois também eu trilhei esse caminho. Cada um sabe o que quer, mas o que todos sabemos, é que é necessário, mais do que nunca, estarmos juntos na crítica social e política e na defesa dos princípios em que ainda acreditamos, apesar do estado da nação e do historial dos partidos em Portugal.
João Carlos Soares
Barreiro, 05 de Março de 2013

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