A obstinação de alguns, perante a vontade inequívoca de outros, em proporcionar e disponibilizar capacidades e vontades, faz com que o futuro seja constantemente adiado, influenciando e reinterpretando as escolhas de ontem e de hoje na realidade política actual, esquecendo-se que nem só do passado se faz e constrói o presente, muito menos o futuro.
Torna-se inevitável, de facto, o resgatar da memória e da experiência acumulada de valores que enriquecem o tempo presente, contribuindo para um entendimento, análise e compreensão do passado, na pretérita justificação das escolhas e posturas políticas e pessoais, na realidade actual.
Nesta perspectiva, os actores que contribuem e fundamentam a história, entre eles os políticos como agentes representantes da vontade dos povos, têm como obrigação e dever, compreender o passado sempre presente das organizações e movimentos sociais, aos quais temos as nossas vidas ligadas, fazendo com que as suas opções políticas não fiquem reféns e vinculadas única e exclusivamente à dimensão partidária.
Essa memória expressa a dimensão da vida, mas que tem como actores homens e mulheres de carne e osso, pessoas que também sofrem como qualquer um, sofrem dos mesmos medos e receios, e, tal como ser humanos que são, também têm os seus momentos de alegria e tristeza, sobretudo quando têm consciência e medem a responsabilidade de estar ao serviço de quem neles confia, reflectida numa enorme esperança e, porque não, também utopia.
São essas escolhas que fazem a diferença e explicam nos nossos actos o que somos, ainda que, por vezes, não sejamos reconhecidos no meio de uma amálgama complexa e atribulada, construída por decisões que tomamos e rumos que escolhemos, por vezes influenciados pelas atitudes inconscientes de outros.
Caminhar com memória, sem esconder o passado, compartilhar lembranças e informações sobre a vida, sem receio de olhares e críticas sem fundamento, ajuda-nos a compreender os caminhos a seguir, cujo objectivo tem que ter como único epílogo e prazer, compartilhar experiências pessoais e colectivas, à medida que formos confrontados com novas realidades, algumas das quais, pela sua natureza, seriam absolutamente imprevisíveis.
Acima das memórias do passado, não nos devemos retrair, muito menos acobardar, perante opções e escolhas, aos princípios que nos guiam e proporcionam uma reflexão crítica sobre os caminhos percorridos e a percorrer.
Perante alguns comentários, quanto ao sentido da ética na política, a única resposta que tenho, resume-se ao lamentar dos tempos sombrios que vivemos, onde o descrédito e o desencanto das populações cresce perante a descrença nos partidos políticos e na própria democracia participativa, como protesto de todos aqueles que não se podem conformar com as desigualdades e injustiças, a concentração de riqueza, onde os negócios suspeitos que envolvem milhões e milhões são cada vez mais o pão nosso de cada dia.
A esperança transformada em utopia passados 30 anos, na qual eu confiava, configurava um Estado capaz de repor e manter o equilíbrio numa luta entre classes sociais, receptivo a reformas e garantindo a ordem, a segurança e o bem estar de todos
Nunca é tarde para percebermos que afinal de contas o Estado, face a uma convenção perversa com as elites tradicionais e modernas do sistema, sustentadas e supostamente legitimadas por poderes ocultos, iniciou um processo de opressão aos mais desfavorecidos da sociedade.
Isto, com toda a certeza, eu sei que não é ética nem moralmente recomendável para todos quantos se preocupam com o seu semelhante.
Acredito que algo de novo emerge, onde a participação da maioria dos actores sociais serão indispensáveis para uma transição, onde será possível transformar este cenário actual com dinâmicas sociais, conscientes dos seus direitos e obrigações, conjuntamente com uma capacidade de agirmos colectivamente. O caminho irá ser longo, cheio de obstáculos e contratempos, mas não há nada mais gratificante na vida do que sabermos e termos a consciência plena de onde vimos e para onde queremos ir.
João Carlos Soares
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