segunda-feira, dezembro 12, 2011

A Centopeia do Poder


Diariamente confrontados com relatos de corrupção, será que algum dia poderemos fazer prevalecer a vontade popular, para que efectivamente se possa fiscalizar a administração pública, pondo termo de uma forma efectiva aos flagrantes casos que são denunciados e chegam ao nosso conhecimento?

A necessidade que os partidos têm para fazer frente e custear toda uma máquina de propaganda eleitoral demasiado pesada, aquando dos processos eleitorais, estendem a passadeira e criam a oportunidade a gestores e administradores corruptos e incompetentes sem qualquer pudor nem escrúpulos, que se deixam aliciar por poderosos grupos económicos, através de contrapartidas financeiras volumosas, viciando-se assim o resultado sufragado pelas populações, através de um processo eleitoral próprio de qualquer democracia participativa.

Neste processo corrosivo e perigoso, as instituições que deveriam lutar para expurgar estas santas alianças, elas próprias se vêm condicionadas e acorrentadas por uma panóplia de segredos de justiça, com os expedientes só possíveis num sistema onde, a hierarquia de clãs com base político-partidária, quase sempre conotadas a esses grupos económicos, procuram perpetuar nos diversos níveis de poder e decisão, uma elite de privilegiados, em proveito próprio.

Sendo os partidos políticos os agentes de um poder democraticamente constituído, disputando a sua manutenção e liderança, tornam-se, nessas disputas, os alvos privilegiados dessas elites, sôfregas por manter no poder ligações a executivos que lhes facultem e concedam acesso às grandes negociatas do regime, mesmo que para o efeito tenham que abrir de mão a quantias volumosas ou outro tipo de favores.

A forma descarada como os lugares de administração desses grupos são preenchidas, quer por quadros de forças partidárias, quer por ex-membros do Governo ou Instituições públicas, levam a que a promiscuidade do tratamento entre o público e o privado, que deveria ser da maior transparência, enverede por caminhos nebulosos e lamacentos, como aqueles a que nos últimos anos temos vindo a assistir.

A necessidade de recursos volumosos para custear a propaganda eleitoral, vicia as eleições para cargos representativos e executivos, a favor dos mais ricos e poderosos, criando-se sistematicamente novas hierarquias e clãs, com base regional e político-partidária, ajustado ao interesse de cada um.

A imprensa, com raras e honrosas excepções, é constantemente aliciada ao serviço das elites e da própria tecnocracia do Estado, que procura perpetuar-se no poder mediante alianças de ocasião e calculistas com diferentes partidos ou grupos políticos.

Como poderemos então fazer prevalecer a vontade popular, para efectivamente fiscalizar a administração pública, eleger e, eventualmente, substituir administradores corruptos ou incompetentes, controlando e acompanhando o exercício da sua gestão, responsabilizando-os pelos prejuízos causados?

Os partidos políticos são agentes do poder constituído e disputam-no contra qualquer iniciativa de mudança, descorando-se as indispensáveis reformas políticas ou a definição das necessárias directrizes da política económica.

Por isso, as mudanças devem começar no plano local, em torno do orçamento participativo e movimentos de cidadania, até chegar à organização de um fórum de cidadania que examine e avalie o desempenho do governo, em função do interesse público e à luz das promessas feitas aquando das campanhas eleitorais.

Os governantes, independentemente dos partidos que estiverem no poder, preferem planeamento e centralização dos processos de tomada de decisão, em oposição a políticas de descentralização, autonomia e autogestão, numa atitude justificada pelo pressuposto de que as decisões técnicas e jurídicas são suficientes para resolver os conflitos de interesses e de valores em causa, desafiando a transparência e eficácia das decisões na gestão da coisa pública.

A falta de compromisso de longo prazo dos servidores públicos, face à transitoriedade dos governos e a falta de credibilidade da maioria dos políticos, coloca ainda mais em causa os valores inerentes a um verdadeiro estado democrático.

O aparecimento de organizações na sociedade civil, como legítimos representantes da população, vão exigindo cada vez mais representatividade e voz, mediante interpelações, críticas e propostas de alternativa para as questões que afectam o bem-estar e a segurança de todos nós, e em particular os mais desfavorecidos.

Pode-se prever, por isso mesmo, um longo período de confrontação entre as instituições oficiais e o poder popular representado pelos movimentos sociais, as organizações não-governamentais e outras formas de associação da sociedade civil.

Só a mobilização e consciencialização da população, em torno da defesa dos seus direitos, poderá dar garantias de sucesso na consolidação de uma sociedade que se pretende pluralista, democrática e soberana, contra a ascensão e expansão da influência externa do FMI, BCE e demais instituições financeiras, nas decisões e medidas levadas a cabo pelo poder estatal, que se expõe de quatro aos interesses do mercado capitalista.

É preciso conter as investidas desta nova casta social em crescimento, composta por um clube de novos-ricos que têm vindo a acumular e concentrar riqueza, à sombra da corrupção, instabilidade e das especulações financeiras, resultado de uma globalização desenfreada, privatizando-se ferozmente os serviços públicos e declinando-se o Estado das suas obrigações sociais para com a população.

Já lá vai o tempo em que se sonhava com a tomada do poder pela via revolucionária. Contudo, não rejeitando as reformas necessárias, desde que elas sejam um factor fundamental para o desenvolvimento e sustentabilidade, não nos podemos permitir que continuem a comprometer os valores de igualdade, justiça social e auto-realização das populações, e venham a contribuir para a exclusão social.

João Carlos Soares

Barreiro, 12 de Dezembro de 2011

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