quinta-feira, março 08, 2007

Corrupção e Sistema (...cont)

Parte V


A corrupção é um péssimo espectáculo que enoja o cidadão comum.
Quando esse espectáculo tem como protagonistas os políticos, ainda mais desacreditada sairá a actividade política, fazendo com que os analfabetos políticos, aqueles que primam pela indiferença e detestam a política, se regozijem e fortaleçam nos argumentos pela indiferença, o não envolvimento na política, e a abstracção nas decisões em comunidade.
A ingenuidade e a moralidade abstracta, oculta e dissimula infelizmente algum egoísmo dos que não conseguem pensar nem querem ver para fora do seu casulo.
Essa indiferença contribui para a manutenção e reprodução dessa corja de ladrões que, espreitando os cofres públicos, estão sempre disponíveis e prontos para dar o golpe de asa à primeira oportunidade que tenham. Tal como Pilatos não impediu a morte de Cristo ao lavar as mãos, também aqueles que se recusam a fazer parte da decisão na sociedade a que pertencem, estão de forma inconsciente mas consequente a alimentar a corrupção.
Aqueles que vêm alimentando ou cultivando a indiferença perante a sociedade ou defendendo e promovendo o egoísmo ético de particulares, torna-os a eles próprios coniventes. Num estado democrático de direito, a gestão da coisa pública é responsabilidade de todos nós.
De uma coisa podemos estar cientes, quando os políticos deixarem de ser responsáveis e responsabilizados pelos negócios do Estado, então podemos ter a certeza que o sector público pode estar sem rumo e completamente perdido.
Meter todos os políticos no mesmo saco, nivelá-los pela mesma bitola e atribuir-lhes a podridão da corrupção em exclusividade, é um erro que não pode nem deverá ser cometido, sendo com certeza um equívoco de avaliação a evitar. É verdade que são os políticos aqueles que mais expostos estão, no entanto chamo a atenção para factores que são de extrema importância contemplar. Não há corrupção sem corruptores e corrompidos, como diz o ditado “ A ocasião faz o ladrão, a necessidade também o faz”.
Não podemos nem permitiremos que a hipocrisia nos ofusque o raciocínio e a razão. Exigimos ética e compromisso aos políticos como se esta fosse uma exclusividade restrita ao submundo da política e dos políticos. Mas e então o resto da sociedade? Quando um ladrão se apodera do alheio e o transacciona junto de receptores, estes tornam-se tão culpados quanto os autores.
Nós não procedemos assim. Só os outros é que o fazem!. Afirmam uns, desculpam-se outros.
Então como se justifica e compreende que desde que se processam alterações no xadrez político, o conhecimento, a sabedoria, a eficácia, a experiência, enfim a competência passem de um momento para o outro a fazer parte de características próprias em exclusividade dos acólitos dessa mesma força política?.
Quem de nós não subornou ou foi tentado a subornar?, mesmo que o significado do acto, pouco ou nada signifique num contexto generalizado de uma sociedade comparativa de grandezas?.
Ou não vivemos numa sociedade onde a honestidade é sinónimo de burrice, de ser trouxa, ou corremos o risco de ser bobos, quando a sociedade competitiva parece premiar os mais espertos, os egoístas, os mais ambiciosos?.
A bem da verdade, o ladrão aproveita a ocasião. Quem de nós nunca foi tentado? Quem de nós não cometeu algum deslize perante a ocasião? Quem foi tentado e não caiu em tentação? Quem conseguiu manter a coerência entre pensar e agir, discurso e prática?
Os homens têm que ser julgados pelo seu trabalho e apenas através dele é que podemos comprovar a sua capacidade de resistir à tentação.
Aos que denomino de analfabetos políticos da chamada tentação da política, o seu único prémio é a ignorância, e que muitas vezes, enojados e cansados perante o espectáculo proporcionado pelos sucessivos governos, nos seduzem a segui-los sucumbindo à rotina do quotidiano, consumindo e desgastando valores e causas.
Só as bestas não reflectem sobre a situação do Mundo e da sociedade em particular. Por mais distraído que seja, o ser humano tem capacidade e condições de criticar, compreender e projectar o seu próprio futuro. Isto é que nos diferencia dos demais animais e nos torna no único animal capaz de produzir cultura contribuindo para a sua própria história.
Não chega criticar os que prevaricam, é indispensável e aconselhável superar o comodismo a que os analfabetos políticos se submetem constantemente. Não se pode nem se deve exigir ética na política ou formar uma nova geração de cidadãos politicamente activos, consciente dos seus deveres e direitos, dotada de capacidade de poder vir a assumir a defesa da justiça social, se os nossos exemplos se pautarem pelo contrário.

Afinal de contas, até os ladrões têm a sua ética.



João Carlos Soares

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