sexta-feira, agosto 22, 2014

O Golpe Fatal

Que maior engano, pensarmos que somos livres, só porque escolhemos os nossos representantes nas urnas. Este sentimento de liberdade que a democracia nos proporciona, é enganador, pois essa liberdade termina, logo que esses representantes são eleitos, e nos apercebemos de que a vontade geral é subjugada e traída, sendo um acto político de manifestação colectiva organizada e fundada nas ideias de liberdade e de igualdade, transformando esse mesmo acto de liberdade, num momento penoso de descrédito na própria democracia.
É cada vez mais notória, a articulação de forças de direita que sempre ocuparam o poder do Estado, tratando-o como se de propriedade privada se tratasse, através de uma estratégia que faz sangrar esta débil democracia, desmoralizando o povo português e criando uma atmosfera que lhes permite voltar a ter esperança de um regresso ao passado.
Não podemos, nem devemos permitir ingenuamente que as transformações político-sociais alcançadas depois de Abril de 1974, sejam desmontadas por parte destas elites conservadoras, representantes de um estado protofascista, inimigo de uma democracia participativa de cariz popular.
Seria uma grande irresponsabilidade e vergonhosa traição, da nossa parte, renunciar aos ideais de Abril, permitindo a esta podre corja política, repor e assumir um Estado de medo e afrontamento às elementares regras da democracia e direitos dos cidadãos.
Esta direita corrupta e aliada, PSD + CDS, desrespeitando constantemente os direitos de igualdade de todos os cidadãos, mostra-se agora desavergonhadamente feliz, porque tendo conseguido arrombar os cofres e reservas produtivas no País, através da destruição de toda a estrutura de produção da sociedade Portuguesa, julga ter conseguido o objectivo a que se propôs, e achar que finalmente vai ter a oportunidade de voltar a colocar esse povo que reclama os direitos adquiridos na Revolução dos Cravos, no lugar que sempre entenderam lhe competia historicamente, mantido subjugado, na ignorância e silenciado, não incomodando quem acumula riqueza.
Esta aspiração tem como objecto chegar ao Estado mínimo, debilitando a sociedade civil e abrindo espaço às privatizações e ao domínio dos mercados, até conseguir a passagem para uma sociedade de puro mercado, no qual tudo se transforma em mercadoria.
E conseguiram, através de uma hegemonia sonhada por Sá Carneiro, um presidente, um Governo, uma maioria parlamentar PSD/CDS, que agora se alinhou ao que pensava ser o marco mais moderno e eficaz da política mundial, privatizando os bens públicos rentáveis, em detrimento ao interesse geral.
Como consequência deste tipo de opção política, criou-se um fosso abissal entre os poucos que dominam os capitais e as finanças e o resto da nossa sociedade, sacrificando um povo inteiro, sem qualquer consideração, no culto do mercado e da voracidade dos banqueiros, à sombra de uma suposta crise económico-financeira no seio da Comunidade Europeia.
Cúmulo dessa perversidade, foi, afinal de contas, o Estado, que somos todos nós, que os salvaram da completa falência, originada por decisões e escolhas montadas sobre a mentira e a ganância desmesurada desses banqueiros, que continuam alegremente rindo de todos nós, quando deveriam estar todos na cadeia como criminosos, resultado da especulação financeira implementada e consentida pelo órgão regulador, o Banco de Portugal.
Perante estes factos, para além de criticarmos a nossa classe política, por ser corrupta e o próprio Estado, por ser refém de uma economia neoliberal, para levarmos a água ao moinho, não chega gritar na rua contra as tramoias da direita, sem consequências, mas começar a pensar no uso de outras medidas mais radicais, para limpar estes pulhas dos corredores do poder.
A possibilidade de invertermos esta tendência neoliberal, está nas ruas, basta sabermos canalizar a sua enorme energia mobilizadora, dinamizando em todas as cidades acções públicas de esclarecimento, espaços de deliberação pública e de participação directa para construir com o Povo propostas sobre a verdadeira realidade do País, através de uma introspeção sobre o sistema político, como sejam, a taxação das grandes fortunas e do capital, a progressividade tributária, uma maior pluralidade e independência dos meios de comunicação social, a sustentabilidade social, ambiental e cultural, a reforma republicana do Estado e tantas outras disputas, para assim podermos influenciar as políticas de futuros governos. 
Para conseguirmos barrar as articulações da direita e a ascensão ao poder de políticas castradoras dos direitos consignados pela Constituição, é preciso encontrar uma orientação ética, que nos ajude a alinhar as nossas práticas para superar a crise em que nos meteram, neste quadro dramático de descrença e suspeição das instituições, com um discurso que seja comum a todos e que possamos concretizar, reclamando reformas políticas de base que se direcionem na resposta efectiva à ambição há muito reclamada pelo povo nas ruas, pelo direito que lhes é devido ao trabalho, à saúde e educação.
Constatamos neste particular que, à medida que crescem os danos provocados na sociedade e na qualidade de vida das populações, cresce simultaneamente a consciência de que em mais de 90% das situações, tais danos se devem à actividade irresponsável e premeditada de alguma classe política, mais especificamente, aquelas elites instaladas no poder económico, político e cultural, que se constituem em grandes corporações e que assumem por sua conta os rombos a provocar no equilíbrio sustentável das sociedades.
Tudo será inconsequente, se não estabelecermos códigos éticos reconhecidamente válidos, baseados fundamentalmente na verdade e justiça, afirmando a liberdade e o respeito na vida quotidiana do Povo Português.
Não me parece ser necessário ter a sensibilidade apurada e o saber de um bom analista político, para sentir no ar que o golpe final há muito vem sendo perpetrado e a ganhar forma, daí a necessidade de estarmos com os olhos bem abertos, atentos às forças reacionárias que comandam o nosso País, que anseiam pelo regresso do período do obscurantismo que nos martirizou por quatro décadas.

João Carlos Soares

Barreiro, 19 de Agosto de 2014