domingo, novembro 26, 2006

Estado de Crise

Consequência !
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Na verdade, confirmando-se as denúncias e indício crescente no relacionamento de promiscuidade entre governo, classe política, partidos e administração pública, seria de esperar da parte dos responsáveis, uma atitude musculada e condizente com a exigência de uma gestão transparente e dirigida à solução dos problemas do bem público.
Outra coisa não seria de esperar, não fosse a desconfiança como o cidadão comum se vê confrontado no dia à dia, assistindo ao desenrolar de casos que envergonham uma qualquer sociedade que se pretende socialmente justa, para a qual constantemente são chamados a fazer todo o tipo de sacrifícios em nome da recuperação e estabilidade do país.
Não podemos, contudo, pedir sacrifícios a uns, quase sempre os que menos têm a ver com as decisões erradas de gestão, continuando a permitir que os principais responsáveis pelas situações de crise, que variando de governo para governo, são sempre os mesmos, continuam a desbaratar todo um capital de sacrifício de uma população desiludida, cáustica e incrédula, perante a forma como aqueles em quem entregam o seu futuro, continuam de forma abastada e completamente irresponsável, a tomar decisões que hipotecam e desbaratam esses sacrifícios.
Será que vamos continuar a aceitar impunemente um sistema que permite a prática vergonhosa de indigitar e colocar pessoas em lugares estratégicos, única ou quase simplesmente, com a intenção de facilitar e promover o financiamento na vida partidária e eleitoral, tal como garantir o reforço da sua clientela partidária.
Esta situação, infelizmente, parece ter sido o expediente que criou raízes, utilizado para concretizar e disponibilizar meios e recursos para todo o tipo de campanhas, as quais de acto eleitoral para acto eleitoral, consomem consideráveis recursos financeiros, que não estão como todos sabemos, ao alcance das fracas e débeis finanças partidárias.
Que isto aconteça a partidos de direita, não será de admirar, pois a sua forma de atingir os fins sem olhar a meios, já é do conhecimento geral, agora, partidos de esquerda, deixarem-se submergir por essa lógica movida a dinheiro, já não poderá ser considerado assim tão normal, nem aceitável.
Não sei até que ponto, esta afirmação, possa ser considerada por alguns polémica, criticável e extemporânea. Pelo que constatamos na realidade, é infelizmente quase por regra, aquilo que se passa com pessoas que lutando fora das estruturas partidárias, no início da sua intervenção política, na qual defendem e professam valores de transparência e equidade, são envolvidos por essas estruturas, e de forma quase inevitável, se deixam manipular, ou são triturados pela maquiavélica máquina partidária, esquecendo tudo o que sempre os motivou
É costume dizer-se que por vezes, para se mudar um sistema, será necessário entrar nele, conhecê-lo, conviver com a realidade dos factos e depois promover as transformações que se entendam como necessárias.
Este princípio significa na maioria das situações, usar de inteligência, perspicácia, entrega total na defesa dos conceitos e valores que entendemos serem o garante de um Estado democrático, tolerante e socialmente equilibrado.
Muitas das vezes também significa o conhecimento profundo, só acessível a alguns, das realidades com que são confrontados na malha partidária de interesses e grupos instalados, e o apontar para a retirada de um campo de batalha, onde se sacrificam sempre os que mais se expõem e não aceitam esse destino, de que alguns se acham donos e senhores.

Joao Carlos Soares

sábado, novembro 25, 2006

Verdade ou Consequência


No Fio da Navalha
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Deverá ser de uma forma acalorada, no mínimo apaixonada, que deveremos manifestar perplexidade e repulsa pela forma displicente com que a esquerda europeia se deixa afundar, num curto prazo, de uma forma ostensiva e promíscua, entregando-se de corpo e alma aos negócios e interesses dos grandes grupos económicos.
Esta situação, de certa maneira, pode fazer periclitar a estabilidade democrática e os alicerces de uma sociedade de nações agrupadas debaixo de uma bandeira, no pleno respeito de cidadania em estados de direito, girando em torno de meia dúzia de actores, representando interesses em nome de uma globalização atormentada por dúvidas existenciais em referendos, onde os sentimentos da população vão sendo expressos de forma clara, desacreditando os seus líderes.
Não estamos perante uma qualquer situação isolada mas, pelo contrário, em sucessivos resultados que pretendem contrariar as grandes decisões para o futuro desta unidade europeia.
As maiorias absolutas com que alguns eleitores em sucessivas eleições locais, em alguns destes países, outorgam aos sucessivos apelos e promessas com que os líderes partidários se apresentam, tendem, inevitavelmente, a transformar-se em grandes desilusões.
A situação de promiscuidade permitida, envolvendo uma administração pública permeável aos interesses privados e à força dos negócios, permite-se à acomodação de excessivos cargos de confiança política, através das mais diversas nomeações a nível dos ministérios e empresas públicas, conforme é tornado público em notícias emanadas nos diversos meios de comunicação.
Não são propriamente dito as nomeações de confiança política, só por si, o mal da gestão da coisa pública se essas nomeações representassem e espelhassem uma qualidade inquestionável. Pelo contrário, se atentarmos bem nessas nomeações, elas gravitam sempre dentro de uma conduta cíclica, do agora entras tu, amanhã entro eu.
Tendo como cenário uma bipolarização política governamental, somos confrontados com elencos constituídos por profissionais do interesse privado, gerindo de forma amadora e intencionalmente o bem público.
Não é difícil de entender se percebermos que esses gestores não fazem nada mais do que garantir, num futuro, a desacreditação da gestão pública, através da submissão aos interesses privados e seus amos.
Quando se fala em gestão privatizada do sector público, como sendo uma forma inovadora de modernidade europeia, significa isso não uma forma de gerir estatalmente uma série de serviços, onde o lucro é a satisfação produzida nas populações, no reconhecimento para onde vão e são aplicados os seus impostos, mas sim, uma forma de camuflar os interesses particulares no seio do Estado, constituindo-se os seus negócios como um todo.
Perante este panorama, muito dificilmente poderemos considerar a hipótese da defesa dos interesses do bem público, através do rigor e da competência, garantindo a justiça social direitos de cidadania, consignados na nossa constituição.
A ignorância dos povos e o déficit cívico da população foram gerando desencanto e insatisfação, transformando-se quase numa epidemia letal que, tal como as pragas que arrasaram civilizações noutros tempos, transformam-se actualmente no cerne do sistema político e partidário, dando-lhe a legitimidade que precisam.
Temos que construir barreiras a este sistema, suportado por um casamento social de interesses, onde a correlação de forças se dissimula numa falsa hegemonia, onde a moral deixa de ser factor importante e a política e os políticos não conseguem disfarçar o conluio dos interesses privados.

Joao Carlos Soares

domingo, novembro 19, 2006

Qual é o Propósito da Política?

Interesses, Disputas e Propostas

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O conceito de política em si começa por desencadear sentimentos contraditórios, sabendo-se desde à muito, que é esse conceito polémico a expressão representativa dos diversos interesses em conflito na sociedade. A arbitragem dos interesses em conflito é, ou deveria ser do povo, que ao fim e ao cabo significando tudo, através do direito de escolha nos processos eleitorais, pode muito simplesmente desempenhar um papel menor, onde o seu desempenho pouco ou mesmo nada significará, se não exercer a única ferramenta possível para dirimir publicamente a sua insatisfação, para com aqueles a quem delegou a sua confiança.
A política alimenta-se de polémica, onde os mais diversos interesses económicos, sociais etc., se manifestam através da paternidade e disputa de ideias e propostas em permanente negociação. Diziam os filósofos que “o objectivo da política não é viver, mas viver bem". A ideia que nos é transmitida correntemente hoje, de que a política é a luta constante pelo bem comum das populações, pela justiça, segurança social, etc., transporta-nos à tradição de Aristóteles, mesmo à filosofia política de Platão e ao pensamento cristão medieval.
Constatamos, por exemplo, que estas ideias são fundamentadas em diversos sectores. Na teoria a maneira como se concebe a política, transmite-nos e indica-nos o caminho para concepção de uma sociedade justa e igualitária etc., através de governos responsáveis e preocupados com a real situação das populações.
Esta ideia que alimenta e estabelece padrões de confiança, através da identificação e militância partidária, movimentos sociais, associações e sindicatos, traduzem-se na construção de uma utopia à qual dedicam a sua vida na constante procura do bem comum.
Como se depreenderá, tomando como moderados estes conceitos, na política nem tudo cheira a perversão, quer concordemos ou não com as suas ideias e propostas, ainda consideramos existirem idealistas, os quais consagram boa parte do seu precioso tempo, ao destino e qualidade de vida da comunidade.
Esses que ainda se podem encontrar na política, vivem na esperança da concretização de um sonho, de uma sociedade onde a enfermidade social presente no nosso quotidiano, e que laceram os nossos corações, sejam superadas e banidas.
Contrastando com a insensibilidade dos nossos governantes perante as questões sociais, ainda há pessoas que se sensibilizam com uma qualquer campanha solidária, ou com a falta de esperança dos trabalhadores, consternados com a sua cada vez maior dificuldade em conciliar e garantir o seu posto de trabalho, e a falta de perspectivas num futuro que se esvazia numa morte à muito anunciada, como se de um cortejo fúnebre se tratasse.
Deixemos as mazelas que a nossa sociedade enferma e alimenta. Afinal, se olharmos com mais atenção e atentarmos nesse quadro sombrio, que teimamos em eternizar, é para a grande maioria, natural, sem qualquer tipo de relação com a política. Regressemos então a incidir a atenção sobre aqueles que continuam de forma idílica na procura do bem comum na sua prática política. Mesmo sendo imprescindíveis, esses homens e mulheres sofrem de uma teoria sobre a política, carregada de alguma ingenuidade.
Se tal como afirmamos, a política é essencialmente a oposição e a luta entre interesses diferenciados e antagónicos, então a ideia de política, como sendo a busca incessante do bem comum, é um projecto não realizável, contrariando os objectivos existenciais da própria política. Política é sobretudo a arte de conquistar, liderar, dominar e manter ao fim e ao cabo o poder astucioso de alguns privilegiados.
Pensar na superação dos interesses individualistas e egoístas, ou por outras palavras, na predominância do colectivo sobre a lógica que anima toda a sociedade significa, em última instância, o sonho da existência de uma sociedade onde a política e o Estado não mais fossem necessários.
Enquanto houver necessidade de uma busca incessante do bem comum, para o equilíbrio e razoabilidade numa sociedade justa, os seus fins serão tantos quanto os objectivos que aos grupos económicos e políticos se coloquem. De uma coisa podemos estar certos, na política não existem fins estáticos e perpetuamente definidos.
Nesse contexto, o bem estar das populações, a justiça, a preocupação de governar para as populações, são meios ideológicos ou não passarão de pura retórica, da qual tanto se irão servir os idealistas como os grupos económicos instalados e politicamente dominantes na sociedade que, procuram fazer-nos acreditar permanentemente, que os seus interesses específicos são também os nossos. Tomamos consciência disto, através da ilusão da existência de um Estado guardião dos interesses das populações, como se neste jogo político entre classes e grupos sociais, se colocasse numa posição de completa neutralidade.
Desmistificar a ilusão democrática da política e do Estado como agentes e defensores das populações, parece-me um princípio gerador de alguma polémica. É verdade, mas que seria da política se não houvesse polémica. Anular pensamentos divergentes foi, e ainda continua infelizmente a ser corrente, o sonho dos mais respeitados ditadores de todos os tempos, e dos que sempre atentos e à espreita dos deslizes da sociedade, agarram a primeira oportunidade, disfarçados sob as máscaras de democratas impolutos de última hora.

João Carlos Soares

sábado, novembro 18, 2006

Buraco

Pela graciosidade do boneco, bem como pela sua contínua actualidade,
não me dispenso de o publicar.

O buraco...

Há obras que nunca estão terminadas. Com os buracos é assim: quanto mais se tira maiores ficam... Neste momento já se conseguiu atingir uma prodigiosa profundidade mas fontes muito próximas do buraco (em queda iminente) garantiram-nos que o plano de trabalhos anteriormente definido é para cumprir e que as obras vão continuar a bom ritmo.
A breve prazo podemos, pois, ambicionar uma entrada honrosa para o Guiness Book na categoria dos maiores buracos. O Presidente da República apelou já a um esforço nacional concertado no sentido de aumentar consideravelmente o buraco. À semelhança do que aconteceu durante a realização do Euro 2004, com as bandeiras nacionais tão orgulhosamente exibidas, é preciso que as ruas das nossas cidades, vilas e aldeias fiquem pejadas de buracos - algo nunca visto! Para isso cada português deverá encher-se de brio nacional e vir à janela mostrar o seu buraco. Estamos certos de que os altos responsáveis governamentais se sentirão estimulados por esta imensa e profunda demonstração patriótica e daí retirarão as necessárias ilações. A bem da Nação! Viva Portugal!

A única coisa que não mudou, foi de encarregado !...... .


(Fonte identificada...)

Terrorismo Partidário

Terrorismo Partidário

Acho que apagar o passado começa a fazer parte de uma estratégia miserabilista e altamente reprovável. Apagar o passado, é retirar sentido ao presente, obscurecendo-se a visão do futuro, e a vontade na actividade e nas dinâmicas de percurso na política.
A mania de cada um se considerar superior aos outros é uma praga. Os alemães também queriam ser superiores a todos. Muitos conseguem convencer-se que dominar os outros faz parte do seu destino, não adiantando, na maioria dos casos convencê-los que a tentação do poder poderá transportá-los a excessos desmedidos.
A realidade é que, em termos políticos, convencerem-se de que têm pela frente uma janela de tempo particularmente favorável, uma oportunidade única, poderá transportá-los para uma derrocada irreversível, arrastando tudo e todos para o abismo da intolerância.
Outro aspecto que considero curioso é a forma como os partidos se organizam internamente. Essa organização baseia-se quase exclusivamente mediante uma negociação, que na maioria das situações, nada ou quase nada tem a ver com a competência e o valor real de cada um dos eleitos pela casta dominante. Trata-se de um jogo de influências de corredor e amiguismo, distribuindo o poder pelas diferentes facções, num jogo pérfido de falsos equilíbrios.
Assim, à primeira disputa de lugares, aparecem as primas donas em acção, para alcançar cargos de responsabilidade, sem que para isso tenham dado quaisquer provas de merecimento ou sustentabilidade, enquanto outras numa postura histérica reclamam pelos seus direitos e portam-se como baratas tontas.
Seja o que for que aconteça a seguir, irão entrar em rota de colisão, sofrendo a terrível consequência de desagregação, derrapando para o confronto demagógico.
A máquina partidária responsável pelas tomadas de decisão, raramente é exposta ao conhecimento público. A cobertura dessas decisões, é uma ficção muito bem gerida pelas elites privilegiadas e protegidas, mantida escrupulosamente, que esconde os pormenores práticos da realidade política. Normalmente, em política, consegue-se manter intacta a ilusão da representatividade, com a cumplicidade das respectivas prima donas, evitando assim a dedução embaraçosa de que a ordem actual é realmente sustentada pelas elites que tomam as decisões.
Só quando surge uma clivagem significativa entre os elementos que constituem a classe dominante, ou como se costuma denominar de guerra de comadres, aparece a oportunidade de se apreciar como se movem as peças no aparelho partidário.
A deterioração da relação interna partidária, pode precipitar a situações irreversíveis, com consequências dificilmente quantificáveis num cenário de ruptura extremo. Este tipo de rupturas pode conduzir uma estrutura partidária de facto para um enorme abismo, lançando as diversas facções umas contra as outras.
Uma das ilusões da democracia, é a noção de que a política é conduzida pela vontade do povo. Nada se pode considerar mais longe da verdade. De facto, o sistema corporativo está baseado na ideia de criar selectivamente uma mensagem que se identifique com os interesses e objectivos da elite. Os interesses do público nunca são levados de forma séria nem equacionados aquando da elaboração das políticas, funcionando mais como uma parte tolerada mas não consentida.
A sociedade evoluiu depressa demais em comparação com os partidos ou até mesmo com o sistema representativo que o suporta. O neoliberalismo, a globalização e para além de tudo mais, a profunda alteração nos modos e nos objectivos das realidades peculiares da sociedade, contribuíram para um mundo em constante transformação, o qual não consegue identificar interlocutores nos modelos de estrutura político-partidária que, no essencial, ainda se mantém subjugadas por modelos herdados do século passado.

João Carlos Soares

domingo, novembro 12, 2006

A Consciência da Serpente

A Consciência da Serpente
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Não acredito na falada objectividade política, muito menos na isenção a qualquer preço. Mas acho que em política não se deve agir como um exército desbaratado e sem generais, no total desrespeito pela mais elementar regra de sobrevivência, pois pode ter um preço extremamente elevado e com consequências irreversíveis de muito difícil quantificação.
Numa marcha longa e difícil, ao longo de uma estrada repleta de surpresas e acontecimentos, mais ou menos explicáveis, vão com certeza ser muitos aqueles que sem cerimónia, a troco de ilusões e sonhos, a coberto de promessas, protagonismo e uma capa de ambição desmesurada, em alguns casos muito bem pagas, abandonar esse trilho transformando o seu espaço de opinião numa trincheira ou num balcão de negócios pouco claros.
Para amainar o clima desta minha irritada exposição, vou tentar recorrer a um exercício bíblico: o de imaginar como teria sido a preparação para a expulsão do primeiro casal do paraíso;
O primeiro casal humano teria sido encontrado deambulando em trajes menores. Os dois teriam sido expulsos de lá depois de um desentendimento com “Deus”. O casal contava a mesma história – a de que tinham sido levados a desobedecer a uma determinação divina, por causa da serpente. O réptil, habilidoso como sempre, teria convencido a mulher a comer uma maçã, fruto da árvore do conhecimento.
- Pode alguém por uma atitude tão inofensiva ser punido? perguntava a mulher, diante do olhar preocupado do homem ainda perplexo.
O porta-voz de Deus, explicou que o Senhor estava ocupado analisando as consequências do incidente para o seu projecto celestial e não poderia falar. Mas o porta-voz deixou claro que a Justiça Divina continuará sendo implacável e que os pedidos de amnistia ou mesmo de revisão de pena não serão levados em conta, nem poderão ser alguma vez perdoados, sendo a sua readmissão impossível alguma vez de concretizar.
A serpente não foi encontrada em nenhuma árvore. O advogado do casal vai pedir parecer pericial da maçã e reconstituição do crime. Não se sabe ainda as consequências para o futuro da humanidade. Há informações de que Deus analisa a possibilidade de eleger os golfinhos como os delfins herdeiros do paraíso. O casal de humanos admite que comer o fruto foi uma experiência inesquecível e definitiva e quer formar família.
Já A Voz da Serpente seria assim:
Insegurança de quem se apresenta como o Senhor de todas as coisas mostra a face cruel do “Todo-Poderoso” e deixa casal humano na maior miséria, sem ter onde morar.
O casal de humanos, vive dias de amargura, depois de ter sido posto para fora do paraíso, sem apelação. O autor da violência foi nada mais, nada menos do que Deus, que faz questão de gravar seu nome em letras maiúsculas. O verdadeiro motivo da expulsão foi o temor da concorrência. A mulher desafiou o poder de Deus, provando a maçã, fruto da árvore do conhecimento. Gostou do sabor, ofereceu ao homem que também se entusiasmou.
Quem informou à dupla sobre as vantagens do fruto, injustamente proibido pelo criador do paraíso foi a serpente, que agora corre o risco de ser responsabilizada pelo que o pessoal do céu chama de crime – a coerência, isenção, coluna vertebral correcta e independente. O casal ainda não sabe o que vai fazer e estudam uma proposta do Diabo para assumir cargo importante no Inferno.
Moral da história: impossível agradar a gregos e troianos, mas não é impossível a muitos casais e famílias, por uma questão de respeito e coerência para com aqueles que se mantiveram, e sabe-se bem a que custos, na estrada sinuosa e tortuosa, mantendo alguma equidistância.

João Carlos Soares

Pensamentos e Veleidades - Fim

Confronto Democrático
Parte IV
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Não é a simples polarização esquerda-direita que preocupa os governos mas a influência que essas opções vão ter no comportamento dos que decidem sobre o efeito que afectará de forma directa e impiedosa a sociedade.
Nos próximos anos, duas dinâmicas contrárias vão provavelmente disputar um papel determinante. Por um lado, no mundo, os interesses das grandes empresas, movidas por interesses financeiros, que se servem da tecnologia e da ciência com um espírito exclusivo de lucro. Por outra parte, uma aspiração à ética, à responsabilidade e a um desenvolvimento mais justo que leve em conta as exigências do meio ambiente sem dúvida vitais para o futuro da humanidade.
Desenvolvimento social, meio ambiente, ética, o papel central da cultura e outros conceitos afloram de maneira confusa mas poderosa nesta nova problemática do desenvolvimento humano. Não é apenas o voto de esquerda que varreu do mapa, na Europa, a maioria dos governos conservadores. Neste universo extremamente conturbado e ameaçador, emerge a busca de uma sociedade mais humana, de novos rumos que já não pertencem a uma ou outra classe.
O processo de análise que enfrentamos é complexo, pois a realidade avança com extrema rapidez, e os desafios são renovados a cada dia. É um caminho precário e sinuoso, cheio de fragilidades, mas tem de ser trilhado, pois os nossos tradicionais e inexpugnáveis abrigos intelectuais, que se tornaram confortáveis na medida em que os reforçamos com verdades definitivas, já não se sustentam. A guerra mudou de rumo, e a política mudou de lugar.
Não se trata portanto de discutir alguma teoria alternativa, porque a tanto não ambiciono, e sim de colocar na mesa, de uma forma que entendi oportuna e indispensável, algumas das novas cartas com as quais temos de jogar, sabendo que o jogo do qual somos participantes, é fértil de blufs e armadilhas com as quais precisamos estar identificados.
Trata-se de uma terceira via renovada, sem dúvida. Só que o conceito de terceira via mistifica na medida em que faz supor que só havia duas. Na realidade, o mundo está evoluindo por outros caminhos, sem se preocupar demasiado com os conceitos simplificadores com que o século passado tentou amarrá-lo. Hoje é uma terceira via, amanhã será uma quarta. A boa política constitui um processo permanente de consulta democrática, construindo realidades sempre novas, e não um ponto de chegada.
Se houvesse um catecismo ou bíblia na economia, seria mais fácil, ainda que, para dizer a verdade, nunca entendi o catecismo direito, muito menos a bíblia, quando na minha infância a tal fui submetido e condicionado.
Os meios de informação e de comunicação sofreram ao longo dos últimos anos uma completa revolução, e abrem-se perspectivas impressionantes para a racionalização das actividades económicas e sociais. As mais diversas instituições, ministérios, hospitais, empresas, organizações da sociedade civil, todos sem excepção produzem rios de informação. Temos portanto as tecnologias e a informação de base, mas não se formaram ferramentas de conhecimento organizadas para a formação dos cidadãos.
Por tudo isto e pela fragmentação de informação corrente nos mídia, o conhecimento torna-se-nos cada vez mais confuso e distante. Trata-se de identificar instrumentos concretos de informação para a cidadania a ser sistematizada segundo as necessidades de participação dos mais diversos actores na sociedade.

João Carlos Soares

sexta-feira, novembro 10, 2006

Pensamentos e Veleidades - Continuação

Confronto Democrático
Parte III
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As economias nacionais, definitivamente centradas na produção industrial, dirigidas por burguesias com um papel depauperado e esgotado na história, deram lugar à nova classe trabalhadora que assumiria o leme mediante a socialização dos meios de produção, transformação essa dependente da protecção e controle do Estado. Uma fria comparação com o mundo que vivemos dá-nos uma dimensão diferente onde as premissas e os parâmetros mudaram radicalmente.
A economia nacional é absorvida pela internacionalização, a indústria perde peso a cada dia que passa, confrontando-se com os novos eixos de actividades, as burguesias, no sentido tradicional de proprietários de meios de produção, vão sendo gradualmente substituídas por tecnocratas racionais e implacáveis, quando não por especuladores completamente desgarrados das realidades triviais de produtores e consumidores desprevenidos.
A classe trabalhadora transformou-se num universo extremamente diversificado no quadro da nova e complexa socialização, e a sua compreensão resiste cada vez mais à simplificação dos meios e métodos tradicionais. A socialização dos meios de produção mudou de rumo, o Estado está à procura de novas funções como moderador, e não mais como substituto e protector, das forças sociais. A mudança é preciso dizê-lo, é qualitativa, com todo o peso que isso tem para as nossas visões teóricas.
Outra vertente poderia consistir na identificação e especialização de cada país na área onde tivesse vantagens comparadas, e no livre fluxo de transferências que o novo quadro comunitário proporciona, na abertura subsequente a um mercado de trabalho extremamente exigente e competitivo.
Comparativamente o que resta, apesar de ser contabilizado como menos de 15% da população mundial, usufrui de um Pib que é só 78% do Pib mundial. Significa isto, que a rentabilidade per capita entre países ricos e países pobres, caminha desenfreadamente para o empobrecimento dos países menos desenvolvidos, se nada for feito para o evitar.
Vantagens económicas comparadas só podem existir se o poder político e económico dos países intervenientes for minimamente comparável. As vantagens relativas que determinados países têm, são selectivamente absorvidas por grandes grupos internacionais que distribuem o seu processo produtivo transferindo o peso atribuído à mão de obra para países asiáticos e subdesenvolvidos, onde o valor da mão de obra é considerado ridículo se comparado com as condições mínimas exigidas para uma digna e justa retribuição. Para que haja vantagens comparativas do país, é preciso que os espaços económicos sejam constituídos por países.
A lógica aplicada ao desenvolvimento micro-económico não vai muito mais longe. A ideia era que haveria todo interesse em produzir bom pão, e barato, e em quantidade, pois assim ganhar-se-ia muito dinheiro, e da preocupação na produção resultaria a fartura de pão para todos. Nascia a visão utilitarista, que acabaria por se tornar a única filosofia realmente existente no que se viria a chamar liberalismo. A visão e a crença de sistemas automáticos resultantes de milhões de decisões micro-económicas tornam-se ridículas num planeta que enfrenta o impacto dos gigantescos grupos transnacionais, as poderosas redes de comércio de armas, os monopólios dos mídia a nível mundial, a destruição acelerada do ambiente, a especulação financeira globalizada, o comércio ilegal de drogas, órgãos humanos e prostitutas infantis, e tantos outras manifestações de um processo económico sobre o qual perdemos o controle.
O capitalismo global realmente existente é uma coisa nova, e os conceitos na sua análise ainda cheiram a cueiros. Acreditar no poder mágico num processo complexo e diferenciado e a que abusivamente damos pelo nome de mercado, leva-nos a olhar de forma receosa e com nostalgia para o passado .
As mudanças foram rápidas em termos históricos, ou até vertiginosas, mas aconteceram de maneira progressiva, sem que para tal tenha existido um momento preciso de ruptura. Em consequência, fomos sendo agastados de certa forma nos nossos conceitos de justiça social, para cobrir uma realidade cada vez mais diferente e preocupante.
Os pequenos burgueses adquiriram uma forma mais ampla no conceito de exclusão social, evoluindo para um conceito mais geral de classes trabalhadoras e assim por diante. Chamar mercado a um sistema de poder articulado de cerca de meio milhar de empresas transnacionais, ou as transacções intra-empresariais a preços administrativos que hoje envolvem percentagem considerável do comércio a nível mundial, tornou-se insustentável, levando ao surgimento de curiosos remendos aos quais se convencionou atribuir o pomposo nome de Gestores de Mercado. Quando a criança cresce, pode-se baixar as bainhas das calças, mas chega uma altura, no entanto, em que se torna necessário trocar de calças e adquirir um número maior.
A nossa dificuldade prende-se também ao facto que nos objectivos de uma sociedade justa e solidária, continuam indispensáveis nas nossas motivações no quadro de uma ampla liberdade individual, e hesitamos em avançar para instrumentos novos de gestão social, quando os antigos, bem ou mal, ainda que não respondendo às nossas necessidades de renovação, constituem uma barricada razoável de resistência contra a crueldade económica que gradualmente se instala. Agarramo-nos às soluções simplificadoras de outros tempos, estatização para uns, mercado para outros, mais na linha da resistência e receios frente às transformações em curso, do que propriamente por acreditar no poder ilimitado destes instrumentos de gestão.
A resistência é natural: nenhuma pessoa normalmente dotada de ética e bom senso olha com tranquilidade para este mundo novo. A preocupação não se resume à esquerda. O empresário efectivamente produtivo, pode acreditar que defende incondicionalmente a liberdade de iniciativa, mas a cada empresa que fecha ou é adquirida por algum investidor institucional, provoca-lhe receios e deixa-o com mais dúvidas. E quando compara os seus lucros, que resultam de esforço e riscos reais, com as fortunas que oportunistas especuladores ganham com o dinheiro dos outros, inclusive com remuneração assegurada pelo governo a partir dos seus próprios impostos, começa a colocar em questão, intimamente, a própria lógica do sistema.
As decisões entre o poder do Estado e o privado, opções ideológicas que orientaram a polarização que caracterizou o século passado, começam gradualmente a surgir cada vez mais nas nossas cabeças como um enigma emocional, o qual requer urgentemente ser repensado na nossa visão de esquerda-direita.

(continua .......)

João Carlos Soares

quarta-feira, novembro 08, 2006

Pensamentos e Veleidades - Continuação

Confronto Democrático
Parte II
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A economia ajuda a formar a nossa visão de mundo, mas não pode constituí-la. Porque as dimensões económicas representam apenas um segmento do que somos. A riqueza explicativa, por outro lado, vem do facto que o poder e a dinâmica de transformação da sociedade se estruturam em torno de interesses económicos. Quem não entende os processos económicos, acaba por não entender coisas tão elementares como porque somos capazes de façanhas extraordinárias como as viagens no espaço, a ida à Lua, mas somos incapazes de minimizar a tragédia de milhões de crianças que morrem anualmente de fome e outras causas absurdas, ou ainda de conter o ritmo de destruição ambiental do planeta.
A compreensão da economia, por sua vez, é apenas parcialmente um processo técnico e só para entendidos. Conjugam-se e articulam-se raízes emocionais, história vivida, meio social e também instrumentos técnicos e visões teóricas. Os processos de elaboração intelectual não flutuam como qualquer espasmo isolado. O que é realmente interessante, não é a caminhada científica em si, e sim como esta caminhada se cruza com os dilemas simples que cada ser humano enfrenta. Che Guevara deixou como testemunho que “um político que não sabe parar para abotoar o sapato a uma criança, não entendeu grande coisa da vida”. No centro mesmo da nossa estranha aventura humana, estão os valores, a nossa fragilidade ou generosidade individual, a nossa capacidade ou impotência em termos de organizar uma sociedade que funcione e que corresponda aos padrões de uma civilidade moderna e perspicaz.
A visão da economia que tentarei apresentar, aparece como a reconstrução de uma biografia. Seria, digamos assim, o retrato de uma vivência, de uma pessoa que nunca teve qualquer apetência por ser economista ou por gostar particularmente de economia, mas que entendeu que sem entender de economia não entenderia as outras coisas, o mundo distante mas não afastado da economia, mas próximo das necessidades humanas.
Fazer um tipo de economia autobiográfica pode parecer um exercício narcisista. Somos todos um pouco propensos a achar que a nossa vida é interessante integrando um sistema onde todos gravitam à nossa volta. A motivação real resulta aqui da convicção de que a economia vivida pode ser mais real do que a economia teórica de uma sociedade hipotética.
Ao mesmo tempo que as razões para a denúncia da fragilidade humana se reforçam, os instrumentos de sua análise fragilizam-se. O caso, seguramente, não é de baixar os braços, mas de repensar a nossa compreensão das dinâmicas. A urgência torna-se premente quando constatamos que milhões de pessoas no mundo estão a organizar-se segundo caminhos novos, com pouco respeito tanto para a visão estadista tradicional, como para as absurdas heranças liberais.
Um ponto de partida útil, é organizar um pouco os grandes eixos de mudança em curso. Estas mudanças, reflectidas em particular na revolução tecnológica, na globalização, na dramática polarização mundial entre ricos e pobres, na urbanização generalizada do planeta, e na transformação das relações e organização do trabalho, colocam-nos constantemente novos desafios.
Cada uma destas tendências traz imbuída uma contradição central. As tecnologias avançam rapidamente enquanto as instituições correspondentes avançam lentamente, e esta mistura é explosiva, pois não conseguimos manobrar de forma responsável as tecnologias de impacto planetário de que dispomos. A economia globaliza-se enquanto os sistemas de governo permanecem com carácter e âmbito nacional, gerando uma perda geral da capacidade governativa.
A distância e as diferenças entre pobres e ricos aumenta dramaticamente, enquanto o planeta encolhe e a urbanização junta os pólos extremos da sociedade, levando a convívios onde o contraditório se torna cada vez menos sustentável, com a permissividade e tolerância policial ao crescendo de violência e insegurança generalizada.
A urbanização deslocou o espaço de gestão do nosso quotidiano para a esfera local, enquanto os sistemas de governo continuam na lógica centralizada da primeira metade do século passado. Finalmente, o mesmo sistema que promove a modernidade técnica gera a exclusão social, transformando o mundo numa imensa maioria de espectadores passivos que começam a cansar-se com as maravilhas que as novas tecnologias entretanto surgidas nos proporcionam, enquanto se perde de vista a solução dos problemas mais elementares, como a capacidade e sustentabilidade familiar.
A conclusão que tiramos deste contraditório, é que a humanidade precisa urgentemente “puxar as rédeas” sobre o seu desenvolvimento, e dotar-se dos instrumentos institucionais capazes de efectivamente capitalizar os avanços científicos para um desenvolvimento mais preocupado com o factor humano.
Há um cansaço geral quanto às prendas ideológicas, que nos prometem de um lado, com estatização e planeamento, a apregoada tranquilidade social, e de outro, com privatização e mão invisível, a prosperidade que transforma os pobres em mais pobres e os ricos em mais ricos. A primeira deu-nos um gigantesco bloqueio burocrático, a segunda leva-nos à mais dramática acumulação de injustiças sociais que a humanidade já conheceu e a um sentimento permanente de insegurança. Aqui não há vencidos nem vencedores. Por enquanto, a vencida é a própria humanidade, somos todos nós. Trata-se de buscar um pragmatismo democrático que nos permita efectivamente enfrentar os problemas.
Um olhar frio para as formas como nos organizamos e somos governados tende a transformar-nos em actores passivos e excessivamente modestos. Não há muitas razões para se soltar foguetes, nem aqui, nem na China, como dizem, mas tampouco na Rússia ou nos Estados Unidos. Estou convencido de que actualmente vivemos num tempo de poucas ou nenhumas certezas, e sim de dúvidas, abertura, tolerância, compreensão. É vital também a abertura de canais de comunicação entre as diversas ciências, entre as diversas instituições, entre os diversos actores sociais organizados. Para dizê-lo de forma marxista, as infra-estruturas estão a transformar-se a um ritmo prodigioso. Nas super estruturas é que nos estamos a atrasar.
Michael Behe, o excelente autor da Caixa preta de Darwin, tem uma linguagem comedida: "Nos seres humanos, diz ele, tendemos a ter uma opinião bastante exaltada de nós mesmos". A modéstia, realmente, não é o nosso forte. Além disso, como indivíduos, temos a forte propensão para nos convencermos de que conhecemos a verdade real, um caminho recto que lamentavelmente os outros, por maldade ou ignorância, teimam em não reconhecer.
Saber e identificar o caminho é óptimo. Permite um olhar confiante para o futuro, e um caminhar que ignore e faça esquecer os sacrifícios. Esta confiança está a ser afectada por transformações profundas que nos deixam perplexos cada dia que passa. Alguns, na insegurança criada, agarram-se cada vez mais a verdades eternas. Outros gritam mais alto slogans antigos, na esperança de serem ouvidos de forma diferente. Façamos o que fizermos não escapamos à necessidade de repensar os caminhos a trilhar.

(Continua .....)

João Carlos Soares

segunda-feira, novembro 06, 2006

Saddam Hussein sentenciado à morte

Na hora da razão, não pode existir razão mais forte que a razão da vida. Sadam prova a amargura da razão que não reconheu nem deu oportunidade àqueles que aniquilou.

Pensamentos e Veleidades

Confronto Democrático
Parte I
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Se compreendermos a produção de subjectividade de maneira adequada, perceberemos que a crítica, desenvolvida apenas no plano da consciência, como a crítica da racionalidade moderna às ideologias, não consegue gerar movimentos de singularização, não consegue resgatar a sensibilidade ética , não é capaz de subverter as utopias alienadas ou desmontar os imaginários sob elas articulados, não é capaz de atingir certas dimensões da subjectividade das pessoas e nem promover as transformações reais que são necessárias para construir uma sociedade justa e livre.
Isto ocorre porque os principais mecanismos dominantes não operam no plano da consciência - em que se pode contrapor conceitos e acções - mas especialmente no plano do inconsciente, gerando desejos e temores em grupos sociais e colectivos. Assim, a crítica conceitual da acção é apenas um dos elementos da subversão do chamado globalitarismo. Ela contudo é impotente para interferir sobre desejos e temores gerados por determinadas actividades. A crítica teórica somente provoca subversões quando é acompanhada de um processo pedagógico capaz de mobilizar paixões e esperanças, desejos e utopias, que tenham em seu núcleo fundamental o desejo de que cada possa viver plenamente a sua liberdade. Somente este desejo mobiliza eticamente a conduta individual na promoção das liberdades públicas e privadas. O desejo da liberdade eticamente exercida de cada um, coloca-se deste modo, não apenas acima dos desejos de apropriação de direitos resultantes das acções publicitárias, mas também acima dos valores das morais pré-conceituosas e do direito capitalista, no qual o crescendo de capitais - mediação material que amplia a liberdade de alguns – se realiza como negação da liberdade da maioria.
A acção transformadora supõe mobilização colectiva, pois cada um de nós, são muitos, uma vez que a nossa subjectividade é perpassada pela subjectividade de muitos outros consubstanciando-se. Desde esse ponto de vista é fundamental a articulação de grupos, movimentos, organizações, pois só assim a subjectividade de cada um pode, colectivamente, reciclar-se de todas essas acções, códigos e lógicas capitalistas que nos atropelam e que nos dominam. A acção transformadora também pode ser uma acção de cada pessoa em particular, desde que essas acções particulares estejam, de algum modo, articuladas às acções colectivas emancipatórias.
Não basta pois ter uma consciência crítica, se os desejos que seduzem as pessoas são criados em jogos na óptica que os restringem somente às realizações particulares de sua vida privada. Há muitas pessoas assim; têm uma consciência crítica bastante desenvolvida sobre os problemas sociais e políticos; pessoas que são capazes de realizar complexas análises de conjuntura, explicitar conceitualmente as contradições da sociedade, etc., mas que não se mobilizam para transformar a dura realidade de contradições em que vive a maioria da população. Isso acontece porque muitos já perderam a esperança de que seja possível transformar alguma coisa, porque seus interpretes afectivos e energéticos foram absorvidos pelo capital: não reagem mais, sucumbiram, consideram-se impotentes e resolvem, então, priorizar a sua utopia pessoal, interesses pessoais, deixando em terceiro plano a realização de uma utopia colectiva e democrática.
Outros, por sua vez, têm um discurso que não corresponde com a prática e nem sequer se dão conta disso, têm um discurso transformador e crítico, mas que permanece autoritário, porque está modelizado pelo próprio sujeito sob a lógica dos grupos hegemónicos e capitalistas. Com efeito, produzir ou reproduzir um discurso não significa assumir uma nova posição colectiva de subversão das macro e micro-políticas autoritárias. Assim, sob o aspecto da subversão do globalitarismo é necessário que as pessoas componham a realização de suas utopias particulares - movida pelo desejo da austeridade na sua liberdade - com a realização de utopias colectivas, em que todos possam viver, o mais plenamente possível, a sua humanidade. Por exemplo, há actores - em diversas instituições - que afirmam no seu discurso crítico, que a gestão tem de ser democrática e participativa. Mas na prática, o que alguns têm de "democrático" são a "ordem" e a "disciplina". Assim, o facto de activistas e missionários se regerem por regimentos, o facto de se ter consciência e coerência próprias é interpretado e considerado como desobediência e indisciplina, sendo portanto, a negação do regime democrático. Cada um impõe, então, uma certa compreensão de democracia de acordo com a sua concepção, com os seus interpretes. Do mesmo modo, várias pessoas assumem um discurso de mudança e transformação, sendo que a sua conduta expressa algo totalmente diferente do que se pode ver e está no discurso, quando interpretadas de outro modo, sob outra consistência.
Assim, considerando-se a práxis nos múltiplos aspectos de subjectividade que a determinam é mister realizar-se uma crítica periódica das utopias pessoais: o que move a pessoa a agir, qual é a sua compreensão de mundo, quais são os objectivos maiores e conjunturais que possui em sua vida e como os pretende realizar.
Outro aspecto importante a ser destacado é considerar como as utopias pessoais se podem articular em utopias colectivas. Movimentos de mulheres, negros, portadores de deficiência, compõem utopias particulares que podem ser articuladas em utopias colectivas, gerais. Isso pode ocorrer por dois caminhos. No primeiro caso, essa passagem se realiza eticamente, pela redescoberta da própria humanidade da pessoa, do seu valor na convivência colectiva. Isto é, quando os interpretes energéticos frente aos excluídos são singularizados, isto é, quando a pessoa sente revolta frente à marginalização do outro, quando ela sente a exclusão do outro como se fosse a sua própria exclusão, quando a violência contra a mulher, a discriminação contra o negro e o portador de deficiências, quando o abandono de crianças são sentidos na nossa carne, na nossa alma, como se fosse uma violência contra nós mesmos. Quando sentimos como se fosse em nós próprios o sofrimento que o outro padece sob um exercício de poder que o oprime e o impede de viver a sua liberdade de modo dignamente humano. Esse interprete energético e afectivo é fundamental, pois sem essa qualidade ética não ocorrerão mudanças estruturais do sistema económico, político e simbólico necessárias à promoção das liberdades públicas e privadas. É necessário pois, resgatar a sensibilidade mutilada frente ao sofrimento de cada pessoa, mulher, negro, criança, portadores de deficiências, enfim, frente a todos os seres humanos que, como tal, devem ser tratados com dignidade e respeito.
No segundo caso, essa composição de utopias pessoais e colectivas, pode-se dar através de um componente político, que é a afirmação de eixos estratégicos de luta como, por exemplo, a redução horária de trabalho sem redução do salário (como forma de gerar emprego e melhorar a distribuição de rendimentos), reforma urbana (articulando movimentos habitacionais, transporte, saúde e outros em torno de um projecto de cidade), cidadania (pois não adianta apenas negativamente lutar contra o preconceito, sendo vital afirmar positivamente o novo relacionamento humano que promova a realização da dignidade da mulher, do negro, de todas as pessoas) e de outros eixos que sejam democraticamente construídos no debate político entre os diversos actores sociais.
Como afirma um filósofo argentino, “cada qual deve pôr-se para si mesmo como valioso e exigir que se respeite a si e aos demais como seres humanos”. O modelo globalitário, contudo, vem submetendo um número cada vez maior de pessoas a relações aviltantes, mesmo para satisfazer as suas próprias necessidades mais elementares. Trata-se, pois, de recuperar interpretes energéticos e afectivos que reafirmem não ter preço a dignidade humana - isto é, que ela não pode ficar à mercê do sistema de trocas no mercado - e que não se pode permitir que ela seja aviltada em qualquer pessoa.
Está na hora de provar, com práticas, que defendemos e somos interpretes incondicionais dos valores que apregoamos, negando tudo o que afaste da realidade a verdade dos conceitos e valores de solidariedade.
Está na hora de afirmarmos esses valores, opondo-nos a ideias desprovidas de realismo, descaracterizadas de sentido prático e oportuno, que contrariam as linhas condutoras de qualquer projecto vanguardista, sempre na defesa dos conceitos de uma sociedade livre, participativa e acima de tudo representativa dos direitos dos cidadãos. Está na hora de sermos parte integrante das decisões no presente, orgulhando-nos do passado e promovendo a ascensão de um futuro de oportunidades.

(continua …….)

João Carlos Soares

domingo, novembro 05, 2006

Carta Aberta ao Presidente da CPC - PS Barreiro

Barreiro, 04 de Novembro de 2006

Sr. Presidente da Comissão Política Concelhia do Barreiro


Senti-me muito feliz por ter sido convidado a trabalhar num projecto cidade, onde :

O que é de todos por todos deve ser decidido

Tive a sorte, na altura, de conhecer Aires de Carvalho, de quem me tornei amigo e cúmplice político.
O ideal socialista sempre inspirou os meus compromissos políticos, por ocasião dos quais sempre privilegiei esse tipo de relacionamento e contactos.
Esforcei-me por tirar partido da melhor forma desta experiência muito diversificada para servir o Barreiro em estreita ligação com as linhas orientadoras previamente definidas e estruturantes de um programa sufragado, consistente e amadurecido.
Tenho inteira consciência de que me cumpre servir o Barreiro com plena independência.
Foi precisamente por isso, e com conhecimento de causa, que renunciei aos mandatos partidários locais a que tinha um grande apego, nomeadamente à minha filiação e representação distrital e concelhia.
Sempre nos meus actos fui apontado como exemplo, considerado e reconhecido pelos meus pares, sem que em qualquer momento tivesse por qualquer facto ou atitude, sido questionado ou posto em causa. Foi até por falta de exposição, e porque não dizê-lo protagonismo, me consideraram de excessivamente modesto.
A prioridade que conferi em primeira instância aos interesses da terra que me adoptou, não significa, para mim, que me desinteresse da vida política local. Desejo um Barreiro dinâmico, que possa continuar a constituir um actor determinado no arco ribeirinho do Tejo e na Península de Setúbal.
Não posso, contudo, deixar passar em claro afirmações e atropelos dirigidos à minha pessoa, de forma traiçoeira e covarde, de actuais responsáveis partidários concelhios do PS Barreiro, em reuniões onde o meu nome é constantemente referido, e nas quais não tenho acesso ou liberdade de me defender, nem que para tal a minha presença tenha sido sequer requerida.
Lamento igualmente, de forma contundente, a atitude leviana como o Sr. Presidente da C.P.C. PS Barreiro, em órgãos de comunicação local, se dirige de forma ofensiva, caluniando e pondo em causa pessoas de quem se diz amigo, mas que não aceitam a sua bondade nem lhe permitem a adjectivação de relacionamento que pretende manter de forma unilateral.
Vivemos num estado democrático, onde existem regras de conduta que devem ser respeitadas, onde o direito de resposta é inquestionável, e que não sendo respeitado esse direito, será a praça pública o local a dirimir na defesa da honra.
Como tal, solicito que se reprima ou impeça de o fazer, na contingência de ter que romper com um compromisso verbal que assumi com o Presidente da Comissão Política Distrital, Dr. Vitor Ramalho, aquando da minha desfiliação partidária, de forma a resguardar o PS de montra publicitária negativa desnecessária nos media, e vir a público, de uma vez por todas, pôr a nu algumas verdades que a muitos não deverá interessar.
Os meus respeitosos cumprimentos

João Carlos Soares