sábado, janeiro 18, 2014

O Direito à Revolta



As relações de força, entre as diversas forças políticas, resultado de vários processos eleitorais pós 25 de Abril de 1974, abriram-nos as portas a uma sociedade democrática, aberta para o exterior, mais equilibrada, mas com uma economia deficitária.
Aderimos à grande família europeia, na expectativa de nos aproximarmos dos restantes países, num mercado sem fronteiras, mas com uma economia lutando contra as políticas neoliberais ou ultraliberais, resultantes da globalização e ambiciosos interesses dos mercados por toda a europa, onde a especulação financeira e o desmantelamento sistemático das conquistas sociais antes adquiridas, conduziram inevitavelmente aos desastre que, após vários alertas, se manifestou abertamente em 2008, tendo como principal origem a falência do Lehman Brothers.
A União Europeia, tentou escapar à espiral demolidora que se seguiu, pondo em risco todo o processo de integração, obrigando os países menos apetrechados e debilitados economicamente, a processos de resgate das dívidas, entretanto contraídas, os quais, tendo aderido à moeda única, caíram na armadilha, arrastados por correntes ideológicas que estão na origem da crise, continuando a dominar as políticas europeias e os governos desses países, forçando os mais desfavorecidos, a pagar o preço da regressão social em que actualmente nos encontramos.
A emancipação desses países, está neste momento a ser posta em causa, mesmo que se permitam algumas liberdades formais, afastando-os cada vez mais do seu objectivo, quando aceitaram entrar no projecto europeu, impondo políticas de austeridade, aumentando o desemprego, a emigração de milhares e milhares de jovens e menos jovens, fracturando os alicerces da competência e do conhecimento da nossa sociedade, colocando jovens contra idosos, funcionários públicos contra trabalhadores do privado, desempregados contra empregados, gerando o desespero e agravando as desigualdades no seio das famílias, enquanto assistimos diariamente à promiscuidade entre a política e os negócios, sujeitos aos usurários da Tróica, condicionando a nossa soberania.
São cada vez mais os pobres em Portugal, vivendo alguns abaixo do limiar da pobreza, enquanto algumas centenas de multimilionários vêem aumentar as suas fortunas, à custa da precaridade de empregos e baixos salários, obrigando os jovens e outros menos jovens, a ter que recorrer às parcas economias dos seus pais, ou reformas, para fazerem frente às dificuldades em que a austeridade os colocou, invertendo-se todo um processo intergeracional.
Enquanto a maioria dos cidadãos se sentir vítima da injustiça e da iniquidade dos poderes, mais difícil se tornará conter nos limites da organizações e das instituições de integração política e social os conflitos e os protestos.
Quando o Estado e os governantes, não respeitam a Lei, a Constituição, nem as prerrogativas e as competências de um órgão de soberania como o Tribunal Constitucional, atacado inclusive pela Comissão Europeia e FMI, quando são o Estado e os governantes a não respeitarem os direitos dos cidadãos, fazendo gato-sapato e pondo em causa esses direitos adquiridos, nenhum direito liberdade ou garantia se poderá considerar salvaguardado pelo sistema político-económico.
Ao não respeitarem princípios constitucionais como o da igualdade, protecção e confiança, proporcionalidade e o da não retroactividade legislativa, é o mesmo que colocar um ponto final no pacto social vigente, afastando-se da ética a que o Estado deve estar subordinado.
Perante estes factos, os cidadãos sentem-se no dever e no direito de recorrer à desobediência civil, pois numa verdadeira democracia, que não esta em que vivemos, a soberania e a legitimidade do poder residem na Nação ou no Povo e não nos interesses dos mercados internacionais. Quer o governo, quer as estratégias económico-financeiras, obrigam-se e devem estar submetidas à Lei e à Política e não o inverso.
Esta subversão da Lei e das regras da Democracia pelos poderes instalados em nome dos interesses obscuros que os subjugam, conduz à falência das instituições, ao desvio no direito dos princípios e dos valores, se os partidos e os outros aparelhos que suportam a Democracia não conseguirem responder às expectativas e às reivindicações dos cidadãos.
Se as respostas tardarem em aparecer, dando uma solução plena às realidades e desafios do mundo contemporâneo, Portugal poderá entrar numa situação de instabilidade e turbulência, com contornos de violência que poderá hipotecar um sonho alimentado por diversas gerações de um futuro com dignidade.
Vivemos um período onde as redes sociais têm um papel importante no dia-a-dia dos cidadãos, onde a mensagem flui com enorme facilidade, o que demonstra a falência dos sistemas políticos, perante o potencial de mudança presente nas sociedades escravas do capitalismo globalizado e especulativo.
É preciso e urgente encontrar uma nova energia, mobilizando toda a sociedade para a defesa dos direitos fundamentais, da ética na política e da submissão dos interesses particulares ao interesse geral e à prossecução do bem comum.
Se não formos capazes e competentes para levar a efeito uma reforma do sistema político e dos partidos, por forma a modificar as dinâmicas produtivas da sociedade em alternativa ao poder, se não conseguirmos reinventar a democracia e reorganizar a nossa economia, tendo como objectivo libertar a condição e dignidade do ser humano, então seremos, quase por certo, em poucos anos, confrontados de um momento para o outro com um acréscimo de desobediência civil, podendo até transformar-se um dia em revolta.
Torna-se igualmente necessário impedir o acesso de populistas e extremistas aos corredores do poder, evitando assim que a história se repita, impedindo que do ultraliberalismo conduzido pela ganância e indiferença social que destrói e atropela os direitos sociais e políticos entretanto adquiridos de gerações, venham a aparecer outras formas de autoritarismo e totalitarismo, possivelmente mais perversas e sofisticadas do que aquelas que se conheceram em épocas não tão longínquas como poderá parecer.
João Carlos Soares
Barreiro, 17 de Janeiro de 2014

sexta-feira, janeiro 03, 2014

O Custo da Nossa Indiferença.



O país está em guerra, uma guerra injusta e penalizadora dos mais desprotegidos da sociedade, uma guerra surda e perigosa que, se a maioria dos Portugueses teimarem em manter o seu desinteresse pelos assuntos públicos, precipitará e conduzirá ao individualismo egoísta, à submissão às leis do mercado e consumo, perdendo-se o sentido do que deve ser comunitário, perdendo-se por completo a participação dos cidadãos na vida colectiva.
Se não assumirmos, neste contexto, que o desinteresse na participação activa e defesa do bem público, pode colocar em causa a sustentabilidade de toda a sociedade, aparecerão os oportunistas do costume, grupos que se movem por obscuras ambições e paixões particulares, que apropriando-se e saqueando a seu belo prazer, o que é de todos, traçam a negro os destinos de um povo.
Para além dos que não participam, por desconhecerem o seu papel no processo político, existem também os que, indiferentes conscientes, compreendem a situação, mas não tomam partido e encaram a vida política com cepticismo e desconfiança.
Esta apatia, por parte dos cidadãos, é quase sempre propiciadora a que surjam políticas autoritárias, e salvadores da pátria, falta de transparência, arrogância e falta de vergonha de alguns políticos, que têm o desplante de afirmar que, em campanha eleitoral não se pode falar verdade aos cidadãos, e que depois, são estes mesmos protagonistas, chamados a ocupar altos cargos governamentais.
Com estes actores políticos, assistimos ao crescendo da corrupção e desmandos, onde a ausência de controlo e de penalização, dos seus actos ocorrem, em grande parte, porque muitos renunciam aos seus deveres, enquanto cidadãos, tornam-se apáticos e assim impedem qualquer hipótese de se criarem diferentes alternativas de intervenção política.
Quando confrontados com a triste realidade social do país, os indiferentes, aqueles que se recusam a participar nas escolhas, esquivam-se das responsabilidades, porque não participaram de forma activa, com o seu voto, nessas mesmas escolhas, esquecendo-se que a ausência e a omissão também são formas de participação e que por isso, também são coniventes e estão implicados.
A vida deve ser feita de participação, através da tomada de partido de cada cidadão sobre as questões que a todos diz respeito, porque quem verdadeiramente vive, não pode deixar de ser cidadão e partidário. Por outro lado, a indiferença é a negação a um direito, tal como o parasitismo e a cobardia, não são formas nem a melhor opção de vivermos com responsabilidade e coerência.
A indiferença dos cidadãos, tem marcado a história e deixado tenebrosos testemunhos, com consequências devastadoras, engolindo nos seus abismos de lama os seus opositores e manipulando de acordo com visões limitadas e fins imediatos, a ambição desmedida e paixões pessoais de privilegiados grupos na sociedade.
Sentimos a revolta do Povo, perante as consequências, ouvimos os queixumes e os insultos, mas não ouvimos vozes a questionar-se, porque não cumpriram com o seu dever, quando deveriam ter procurado fazer valer a sua vontade.
O tempo é de unir convicções, ideais e militância cidadã, o tempo é de confronto, numa sociedade que não desejámos, submersa de lama até ao pescoço na perversidade, na corrupção, e como apregoam os governantes, à sombra de uma crise que irá servir para aperfeiçoar a nossa democracia.
Ataca-se o sector laboral, público e privado, através de leis selvagens que cada vez mais precarizam as condições de trabalho dos portugueses, enquanto os escândalos da alta finança, ficam impunes e são recompensados, enquanto os trabalhadores, presas fáceis, se deixam seduzir pelos apelos publicitários das campanhas políticas milionárias, financiadas com o desvio das nossas contribuições.
Para inverter toda esta amálgama de contradições, urge que os cidadãos se esclareçam, se identifiquem com os seus candidatos, avaliando o seu passado e o seu compromisso de vida com a sociedade, e que fundamentalmente se revejam, na prática, com a defesa do bem comum.   
Entrámos em 2014, ano de eleições Europeias, iremos por isso, assistir a um período de promessas e palavras de esperança, através de slogans elaborados por máquinas publicitárias contratadas para travestir os candidatos, com as melhores roupagens e discursos inflamados. Gostaríamos que os seus nomes não fossem esquecidos nem ignorados, independentemente das suas bandeiras, pois a cidadania exige a participação de cada um de nós e não poderá continuar a merecer mais a nossa indiferença.
João Carlos Soares
Barreiro, 02 de Janeiro de 2014