Atento aos
discursos fluentes, para não dizer convincentes, dos analistas políticos e
homens de opinião da nossa praça, nos diversos canais de televisão e jornais,
fico cada vez mais surpreendido e estupefacto, para não dizer mais confuso e
embaraçado.
Surpreendentemente,
pois há poucos anos, seria impensável se não inadmissível, assistirmos ao
contraditório discurso clássico dos liberais, marcado desde sempre pela defesa
do livre mercado como único e exclusivo aferidor da economia, defendendo agora
veementemente com toda a sua energia a necessidade de ajuda do Estado ao
sistema bancário e empresarial, em situação precária ou de falência.
Estarei a
dormir ou acordado?
Então, não
foram estes mesmos senhores, defensores militantes confessos de uma economia liberal,
sem interferência do Estado, autores do discurso hegemónico há quase 40 anos,
confundindo as causas das crises com as soluções?
Pelo que se
pode constatar, das duas uma, ou estes senhores reavaliaram e reformularam as
suas teorias, analisando os seus equívocos, ou então também eles andam
confundidos, não percebendo, eles próprios, se estão perante uma crise do
capitalismo ou do liberalismo.
Para estes
senhores, a palavra capitalismo não fazia parte do seu discurso político,
fazendo crer que vivíamos numa sociedade onde a desigualdade, a exclusão social
e a pobreza, quando consideradas, eram analisadas como consequência e resultado
da incapacidade dos indivíduos, sem que para isso se considerasse qualquer
lógica estrutural que levasse os seres humanos a agir ou ter um tipo de
comportamento de determinada forma.
Prova disso,
é o continuarmos a assistir em plena crise à defesa deste tipo de economia,
procurando bodes expiatórios da situação nos maus capitalistas, banqueiros
corruptos e investidores sem escrúpulos, sugerindo-se a ampliação do livre
mercado, a privatização e a interferência cada vez menor do Estado na economia,
sem nunca assumir que o fator principal do fracasso se encontra exatamente na
génese e essência do livre mercado.
Com o
evoluir da crise, praticamente instalada por toda a Europa, perante uma
depressão económica a nível Mundial, confrontados com a negação hipócrita percecionada
das suas teorias liberais, tentam espalhar a ideia de um fatalismo implacável,
combinado com algum ceticismo, para justificar o fracasso prático das suas teorias.
Nesse sentido, fazem crer que, face à complexidade da situação, compreender a
economia Mundial, torna-se numa tarefa quase impossível de concretizar, porque
não existem condições para compreender os fenómenos económicos a esta escala.
Esta
situação é recorrente de outras crises anteriores, tanto nas causas como na
forma e tentativa de as justificar, tal o embaraço dos liberais nas
explicações, perante a realidade dos acontecimentos atuais, comprovando-se que
as crises não podem, nem devem de forma alguma, ser deixadas na mão invisível
dos mercados.
Com a
chegada da globalização económica, a qual deu os seus primeiros passos com o
desmoronamento da União Soviética, permitiram a absorção de um quarto dos
recursos mundiais que, há cerca de meio século, se encontravam fora do alcance
do capitalismo, e proporcionaram um novo ciclo de expansão do mercado
capitalista, o qual se aproxima do seu fim, deixando mais uma vez, manifestamente
duas características fundamentais do capitalismo, a instabilidade e a
insustentabilidade dos seus meios de produção.
Estas crises
contínuas, umas maiores que outras, são a afirmação inequívoca de que as crises
económicas se encontram inevitavelmente associadas ao capitalismo, onde a
tendência ao investimento no mercado imobiliário, nas bolsas de valores e
bancos, etc..etc., se configuram de forma desproporcional ao investimento no
mercado de trabalho, levando a uma tendência na queda da taxa de lucros, pois
somente a força da produção e transformação de cada país, poderão ser o motor
para gerar mais valor e mais valias.
O
investimento noutros setores da economia, quando determinados investimentos
passam a ser considerados menos lucrativos, faz com que muitos investidores
deixem de investir na produção, enviando para o
desemprego milhares de trabalhadores, aumentando assustadoramente os níveis de
desemprego e a consequente diminuição do poder de compra das famílias, pois o
dinheiro, só por si, não gera dinheiro, o que prova que estamos perante mais um
fracasso histórico do liberalismo.
As soluções
apresentadas para sair da atual crise, veem confirmar o caráter ideológico do
liberalismo, que se manifesta astutamente pela premissa da ideia do Estado
ajudar o capitalismo a sair da crise, por outras palavras, socializando os
prejuízos e privatizando os benefícios. O Estado continua a endividar-se para
ajudar aqueles que, depauperando as finanças públicas, num sistema de casino
global, contribuíram e são responsáveis pela crise que vivemos, reduzindo e
aniquilando o investimento necessário em programas sociais e projetos de infraestrutura,
e alimentando quase até à exaustão a especulação nas bolsas de valores.
O mercado
livre, não passa de um instrumento de poder que manobra e define as regras, por
forma a estabelecer uma cada vez maior concentração de recursos económicos,
conduzindo à aceitação das suas propostas por parte da maioria da sociedade que,
de forma inconsciente, arca com o ónus da crise gerada em função da
concentração do capital, e se expõe cada vez mais à exclusão social.
Torna-se
claro e evidente que, se quem dirige os destinos neste momento de crise,
quisesse tomar as rédeas e dirigir o País para uma verdadeira solução, teria
que estatizar os bancos endividados, controlando os fluxos de capital, e nunca,
ajudar o sistema financeiro a sair da crise que criou, deixando depois que o
mercado volte a ser o instrumento regulador, até que uma próxima crise se instaure.
É pena que
os defensores do liberalismo, não retirem destas crises todas as consequências,
assumindo as contradições do seu discurso, porque então outros valores mais
altos se levantariam.
João Carlos Soares
Barreiro, 05 de Julho de 2012
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