segunda-feira, julho 09, 2007

Opinião Pública - Contornos democráticos


Como refiro e realço no post anterior, não se pode imputar às dificuldades estruturais ou conjunturais dos sistemas políticos, a única e exclusiva razão para a actual crise de representação política instalada na nossa sociedade.
Essa crise resulta também da vida social, institucional e cultural, bem como de lógicas externas, algumas transnacionais ou até supranacionais. Significa isto na prática, a dependência dos povos que se sujeitam e são confrontados constantemente pelos condicionalismos dos acordos resultantes da globalização.
A crise da representação é, antes de tudo, fruto de uma crise da própria sociedade, ligada e identificada por processos de desestruturação dos laços sociais, os quais resultam na exclusão e precariedade cada vez maior de extractos inteiros da população mais desfavorecida e carenciada.
Quando se fala no défice do actor político, antes de mais, fala-se e referimo-nos ao défice social, o prolongamento ou o eco da falta dos direitos sociais e das injustiças que recaem com maior incidência sobre as camadas populares.
O fim dos regimes autoritários e a passagem para sistemas abertos e democráticos, não impedem a violência, o tráfico de influências ou o surgimento de grupos organizados, que vêm substituir-se às relações sociais.
O crescimento das taxas de criminalidade aumentam e os governos são incapazes de enfrentar as redes de crime organizado, resultando daí o delapidar do sistema democrático através da existência cada vez maior de carências do sistema político e da sua equidade, as quais se encontram associadas à decomposição da vida social, e também à ruptura que surge como resultado das frustrações sociais, por um lado, e da oferta política, por outro. Essa crise social é bem patente nas diferentes classes sociais descaracterizadas que vivem nos nossos centros urbanos.
Esta crise é quase sempre acompanhada pela miséria dos mais desprotegidos, pela ausência de vida pública transparente e pela perda das formas tradicionais de solidariedade.
Em democracia, a crise política é alimentada por uma eventual crise social, mesmo quando existem um elevado nível de direitos cívicos e de cidadania consignados na constituição. E é assim porque aquilo a que os cidadãos são particularmente sensíveis é à precariedade das condições de vida de alguns deles. Os direitos cívicos, por mais importantes que sejam, não acabam contudo com a pobreza e a miséria, o desemprego, a exclusão social, a marginalidade e o abandono.
Termos como “para que quero eu a democracia, se a miséria e a fome continuam...” fundamentam-se efectivamente na insegurança criada pelo desequilíbrio e precariedade sociais, bem como na falta de credibilidade e sustentabilidade do sistema político, representando por isso mesmo num risco considerável para a democracia, verificando-se ou dando a entender, que ela não resolve as suas principais dificuldades, criando um sentimento de repulsa para com o sistema democrático, constituindo-se até como um obstáculo à conquista de soluções práticas e justas.
Assim, algumas pessoas procuram satisfazer os seus sentimentos de insegurança na privatização da política e fecham-se em guetos destinados a ricos ou a classes médias superiores. Em simultâneo, este tipo de posições pode levar a opinião pública a tornar-se permeável à ideia de um governo autoritário como forma de garantir e assegurar o desenvolvimento económico à custa das liberdades entretanto conquistadas, e face à incapacidade da justiça e polícia, os que se sentem desprezados, abandonados ou maltratados podem vir a mostrar tendência para se encarregarem eles próprios daquilo que os poderes públicos já não conseguem fazer, a justiça popular.
Desta forma, a insegurança social, as dificuldades que acompanham a flexibilidade de trabalho, o emprego clandestino ou ilegal utilizando a mão de obra vinda dos países de leste, a economia sem regras, a queda dos salários reais e a pobreza constituem por isso mesmo, os maiores desafios que a política democrática terá que enfrentar no futuro.


João Carlos Soares

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