segunda-feira, dezembro 08, 2008

Os ciclos da crise


Até há bem pouco tempo, falar-se em intervenção do estado no sector privado, através de qualquer tentativa de interferência no sistema económico, teria como resultado, uma cruzada de alguns actores representantes e defensores de grupos económicos apologistas do livre mercado como único regulador da economia, atacando os possíveis invasores, de estarem a imiscuírem-se nos negócios do sector privado, apelidando o Governo de regresso ao passado e tudo o mais que se diria e escreveria, despertando um passado ainda bem vivo na memória de alguns senhores feudais.
Será que mudaram as suas posições analisando e revendo as teorias defendidas nas estratégias que suportaram ao longo dos tempos, reconhecendo conceitos estratégicos equivocados, para os quais não encontram soluções ou passes de mágica que conduzam a depressão a um nivelamento da economia na realidade do tempo presente.
A questão que se coloca numa primeira avaliação da situação a nível internacional, é a de que o que neste momento está em causa, é saber se a crise pode e deve ser imputada ao sistema capitalista, ou ao liberalismo em geral.
As sociedades mundiais, têm vindo através dos Governos instalados a desenvolver e cultivar políticas de desagregação social através da cada vez maior desigualdade de direitos dos cidadãos, num crescendo e ameaça da pobreza e exclusão social, sem uma lógica estrutural que justifique a forma e o modo de condução das políticas internas, tentando procurar os culpados de uma forma impessoal e generalizada, quando a culpa tem nome e é parte integrante do sistema liberal que nos têm obrigado e permitido aceitar.
Constatando-se que o mercado aberto era responsável pela generalização da crise capitalista a nível global, não se percebe porque razão se permitiu e incentivou a sua ampliação, impedindo a privatização e interferência cada vez menor do Estado nas economias, como a nossa, em agonia constante.
Com o alastramento da crise económica a nível internacional, os defensores do liberalismo vêm agora apresentar como solução, uma intervenção do estado onde eles falharam, argumentado e justificando as suas falhas de sistema, na complexidade da própria razão da sua existência, porque os mesmos conceitos ideológicos que utilizaram para defender o mercado aberto e livre, são agora incapazes para apurar a gravidade das suas acções, tornando a solução como tarefa inacessível e impossível, para compreender os fenómenos económicos, dos quais são os únicos responsáveis.
Os defensores do liberalismo, escondem-se agora por trás da sua própria perplexidade incompreensível do estado em que colocaram a economia mundial, em vez de assumirem a falha e os argumentos de economia de estado que implementaram e defenderam, que não funciona, tentando ainda fazer sobreviver hipócrita e ideologicamente um sistema que face à crise instalada, vem de uma vez por todas dar razão ao fracasso na prática da sua teoria.
Com a Perestróika de Gorbatchov e a abertura e Ocidentalização do Leste, uma grande parte dos recursos mundiais, alimentaram e passaram a integrar um mercado onde os Governos Liberais expandiram e permitiram um novo ciclo do sistema Capitalista, através da globalização económica, mas que graças a duas das suas características fundamentais, a instabilidade e a insustentabilidade nos conduzem a passos largos para um final irreversível e fatal.
Como resultado, foi criada uma ilusão em torno de um mercado liberalizado à escala mundial, frustrando todas as expectativas de que o mercado por si, pudesse ser uma força auto reguladora, e que face à concorrência os recursos económicos fossem investidos da melhor forma possível, seguindo uma lógica de pensamento sustentada pela especulação nas bolsas de valores de todo o mundo.
Perante as evidências da fragilidade e fracasso da ideologia liberal e do capitalismo, poderia e deveria o Estado estabelecer e fazer cumprir novas regras para se evitarem crises no futuro, controlando os fluxos de capital, privatizando os bancos em dificuldade de assumirem os seus compromissos para com os seus clientes. Pelo contrário, ao que vimos assistindo pela intervenção do Estado, as soluções apresentadas para sair da crise confirmam o carácter ideológico do liberalismo, com a ajuda às instituições bancárias e ao sistema a sair da crise, injectando capital em instituições de âmbito privado, que o continuam a ser, com capital de todos nós, para depois voltar a deixar ser novamente o mercado como órgão regulador da economia, até que, sejamos novamente confrontados perante uma nova recessão, mantendo e sustentando este sistema corrupto e virtual.
Bem gostaríamos nós que a fragilidade e fracasso prático do liberalismo, nos pudessem conduzir automaticamente à sua superação, mas a realidade mostra-nos que os interesses que são a base da sua fundamentação, são considerados mais importantes e encontram-se acima dos argumentos. Ao apelarem para a intervenção estatal na defesa das instituições financeiras, baseadas na teoria capitalista, contradizendo a sua própria teoria liberal, os defensores do liberalismo não extraem dela as consequências daí subjacentes, porque no cerne das suas crenças e na razão da existência do liberalismo, enquanto teoria ideológica, permanece e estará sempre presente e evidente o capitalismo, o qual continua a servir-lhe de vestimenta.
Joao Carlos Soares

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