domingo, abril 14, 2013

EUROPA - Um sonho confiscado



Quando ligamos a televisão e desfolhamos as páginas dos jornais, sentimos que os media tentam distrair os cidadãos com doses maciças de embrutecimento colectivo, com o objectivo de nos fazer esquecer a vaga de cortes e direitos consignados pela Constituição, em que os efeitos dolorosos sobre a maioria da população se transformaram em calamidade nacional, e que só não criam um estado de amnésia nessas mesmas populações, porque começam a surgir diversos movimentos contestatários, mantendo o necessário e indispensável estado de alerta social.
É também verdade que existe a necessidade de quebrar com o pessimismo excessivo que começa a granjear entre a população, desiludida com a forma promíscua como se faz política em Portugal. Torna-se imprescindível deixar alguma passividade sentida na sociedade, como que entregue à sua triste sina e destino, para nos convertermos em agentes da mudança, de forma activa, assumindo o controlo das nossas próprias vidas, neste grave momento de grandes incertezas, onde os cidadãos não entendem quem nos comanda, conduzindo a uma crescente perda de confiança nos políticos e nas instituições partidárias.
A pressão e medo instalados, através de discursos sobre a dramática situação económica, em que políticas pouco saudáveis, colocaram o país em quatro décadas, pretendem condicionar os cidadãos, para assim os poderem melhor controlar, reduzindo os seus direitos, e limitando as liberdades de todos nós. Vivemos talvez o momento mais perigoso das nossas vidas, porque as consequências de tamanho desmando e comportamento, afectam directamente o nosso futuro e o futuro das gerações vindouras.
Impingem-nos a teoria de que só com salários baixos, se podem garantir os postos de trabalho, num crescendo de precaridade e segurança, quando os senhores do capital, apenas seis famílias à sua conta possuem cerca de 28% do Produto Interno Bruto (PIB), à volta de 28 mil milhões de euros, transformando este país numa coutada, onde poucos, são cada vez mais ricos, quando a maioria vive no limiar da miséria. Este medo promovido e alimentado para a necessidade de conservação dos postos de trabalho, são uma forma inequívoca de controlo social extremamente poderosa e perigosa.
Quando o cidadão deixa de reconhecer a legalidade representativa de quem está à frente dos destinos do país, desiludidos por programas propostos e sufragados que não são cumpridos nem respeitados, produz-se uma dicotomia entre o poder e a política. Em democracia, os candidatos que, pela via política conquistam a confiança dos eleitores atribuindo-lhes o poder executivo, estão esses eleitores à espera que sejam eles os únicos a exercê-lo ou delega-lo com toda a legitimidade, o que não está a acontecer actualmente nos países da União Europeia, subjugados às regras do FMI e BCE, este último nas mãos dos grandes grupos económicos desde o Tratado de Maastricht.
Actualmente, com as regras impostas de Bruxelas, os governos locais deixaram de representar a vontade expressa pelos eleitores, porque acima desses governos democraticamente eleitos, se sobrepõe para além da Alemanha através da Chanceler Angela Merkel, poderes não eleitos, que de forma suprema impõem a sua agenda e ditam a sua conduta, a tecnocracia europeia e os mercados financeiros.
Os defensores do europeísmo, subjugado aos mercados e obedientes de forma cega, aos tratados e mecanismos europeus, transportam na sua génese as bases do neoliberalismo, punindo qualquer desvio ou indisciplina que contrarie a ortodoxia neoliberal, de tal forma que, os governos de cada país, aprisionados, avançam nos corredores da política obrigatoriamente numa única direcção, sem espaços de manobra e sem qualquer tipo de poder.
Neste pressuposto, as instituições políticas tornam-se cada vez menos credíveis, aos olhos do eleitorado, porque não desempenham nem têm qualquer papel na solução dos problemas com que os cidadãos, nos seus países, de um momento para o outro, se viram confrontados. É a democracia que está em causa, porque se sente um abismo cada vez maior, entre o que as pessoas escolheram para as suas vidas, e as ordens e regras impostas pelos mercados de casino, que engolem os direitos sociais das comunidades, retirando-lhes ou obrigando à cedência nos seus direitos fundamentais.
Estamos a assistir, talvez, à maior batalha alguma vez pensada, entre o interesse dos estados, enquanto nação, e o mercado financeiro e económico globalizado, enfeudado por uma ambição totalitária, que tudo pretende controlar, desde a economia, a política, a cultura, a sociedade e cada um de nós. Numa associação perversa aos meios de comunicação de massas, também eles controlados, transformando-os no seu aparelho ideológico, pretendem fazer implodir os avanços sociais conquistados com enorme sacrifício de várias gerações, transformando e obrigando estados soberanos a uma intolerável dependência e obediência.
Estando em causa a democracia, também o estão a igualdade de oportunidades. É doloroso vermos uma conquista, como a educação, de forma silenciosa, ser depauperada com cortes, como o são o despedimento anunciado de milhares de professores, os quais terão como consequência, uma educação de baixo nível, com condições estruturais deficitárias e difíceis, não só para os professores, mas também para os alunos. Como resultado, o ensino público terá grandes dificuldades em estimular o aparecimento de jovens das classes mais desfavorecidas. Por outro lado, as famílias mais abonadas, farão crescer seguramente a educação privada, criando-se de novo categorias sociais privilegiadas, que alcançarão a postos de comando, enquanto os outros só poderão acalentar a esperança de ter acesso aos postos de obediência.
João Carlos Soares
Barreiro, 14 de Abril de 2013

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