Quando ligamos a televisão e desfolhamos as
páginas dos jornais, sentimos que os media tentam distrair os cidadãos com
doses maciças de embrutecimento colectivo, com o objectivo de nos fazer esquecer
a vaga de cortes e direitos consignados pela Constituição, em que os efeitos
dolorosos sobre a maioria da população se transformaram em calamidade nacional,
e que só não criam um estado de amnésia nessas mesmas populações, porque começam
a surgir diversos movimentos contestatários, mantendo o necessário e
indispensável estado de alerta social.
É também verdade que existe a necessidade de
quebrar com o pessimismo excessivo que começa a granjear entre a população,
desiludida com a forma promíscua como se faz política em Portugal. Torna-se
imprescindível deixar alguma passividade sentida na sociedade, como que
entregue à sua triste sina e destino, para nos convertermos em agentes da
mudança, de forma activa, assumindo o controlo das nossas próprias vidas, neste
grave momento de grandes incertezas, onde os cidadãos não entendem quem nos
comanda, conduzindo a uma crescente perda de confiança nos políticos e nas
instituições partidárias.
A pressão e medo instalados, através de discursos
sobre a dramática situação económica, em que políticas pouco saudáveis,
colocaram o país em quatro décadas, pretendem condicionar os cidadãos, para
assim os poderem melhor controlar, reduzindo os seus direitos, e limitando as
liberdades de todos nós. Vivemos talvez o momento mais perigoso das nossas
vidas, porque as consequências de tamanho desmando e comportamento, afectam directamente
o nosso futuro e o futuro das gerações vindouras.
Impingem-nos a teoria de que só com salários
baixos, se podem garantir os postos de trabalho, num crescendo de precaridade e
segurança, quando os senhores do capital, apenas seis famílias à sua conta possuem
cerca de 28% do Produto Interno Bruto (PIB), à volta de 28 mil milhões de euros,
transformando este país numa coutada, onde poucos, são cada vez mais ricos, quando
a maioria vive no limiar da miséria. Este medo promovido e alimentado para a
necessidade de conservação dos postos de trabalho, são uma forma inequívoca de
controlo social extremamente poderosa e perigosa.
Quando o cidadão deixa de reconhecer a legalidade
representativa de quem está à frente dos destinos do país, desiludidos por
programas propostos e sufragados que não são cumpridos nem respeitados, produz-se
uma dicotomia entre o poder e a política. Em democracia, os candidatos que,
pela via política conquistam a confiança dos eleitores atribuindo-lhes o poder
executivo, estão esses eleitores à espera que sejam eles os únicos a exercê-lo
ou delega-lo com toda a legitimidade, o que não está a acontecer actualmente nos
países da União Europeia, subjugados às regras do FMI e BCE, este último nas
mãos dos grandes grupos económicos desde o Tratado de Maastricht.
Actualmente, com as regras impostas de Bruxelas,
os governos locais deixaram de representar a vontade expressa pelos eleitores,
porque acima desses governos democraticamente eleitos, se sobrepõe para além da
Alemanha através da Chanceler Angela Merkel, poderes não eleitos, que de forma
suprema impõem a sua agenda e ditam a sua conduta, a tecnocracia europeia e os
mercados financeiros.
Os defensores do europeísmo, subjugado aos
mercados e obedientes de forma cega, aos tratados e mecanismos europeus,
transportam na sua génese as bases do neoliberalismo, punindo qualquer desvio
ou indisciplina que contrarie a ortodoxia neoliberal, de tal forma que, os
governos de cada país, aprisionados, avançam nos corredores da política obrigatoriamente
numa única direcção, sem espaços de manobra e sem qualquer tipo de poder.
Neste pressuposto, as instituições políticas
tornam-se cada vez menos credíveis, aos olhos do eleitorado, porque não desempenham
nem têm qualquer papel na solução dos problemas com que os cidadãos, nos seus
países, de um momento para o outro, se viram confrontados. É a democracia que
está em causa, porque se sente um abismo cada vez maior, entre o que as pessoas
escolheram para as suas vidas, e as ordens e regras impostas pelos mercados de
casino, que engolem os direitos sociais das comunidades, retirando-lhes ou
obrigando à cedência nos seus direitos fundamentais.
Estamos a assistir, talvez, à maior batalha
alguma vez pensada, entre o interesse dos estados, enquanto nação, e o mercado financeiro
e económico globalizado, enfeudado por uma ambição totalitária, que tudo
pretende controlar, desde a economia, a política, a cultura, a sociedade e cada
um de nós. Numa associação perversa aos meios de comunicação de massas, também
eles controlados, transformando-os no seu aparelho ideológico, pretendem fazer implodir
os avanços sociais conquistados com enorme sacrifício de várias gerações,
transformando e obrigando estados soberanos a uma intolerável dependência e
obediência.
Estando em causa a democracia, também o estão a
igualdade de oportunidades. É doloroso vermos uma conquista, como a educação,
de forma silenciosa, ser depauperada com cortes, como o são o despedimento
anunciado de milhares de professores, os quais terão como consequência, uma
educação de baixo nível, com condições estruturais deficitárias e difíceis, não
só para os professores, mas também para os alunos. Como resultado, o ensino
público terá grandes dificuldades em estimular o aparecimento de jovens das
classes mais desfavorecidas. Por outro lado, as famílias mais abonadas, farão
crescer seguramente a educação privada, criando-se de novo categorias sociais
privilegiadas, que alcançarão a postos de comando, enquanto os outros só
poderão acalentar a esperança de ter acesso aos postos de obediência.
João Carlos Soares
Barreiro, 14 de Abril de 2013
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