sexta-feira, abril 06, 2012

Valeu a pena expor o País, ou foi só mais uma questão de oportunidade política e mudança de figurino?


  Auscultando os ilustres fazedores de opinião da nossa praça, ouvimos falar dos mercados, como sendo a razão de todos os pecados e culpas, da dramática situação em que nos encontramos.
Mas afinal o que vêm a ser esses malfadados mercados, e o porquê da sua importância em tudo o que nos acontece?
Chegámos a um ponto, em que pertencer à Europa, deixou de significar ter na mão a solução para todos os problemas, pelo contrário, pois neste momento, a própria Europa começa a ter dúvidas e a questionar-se sobre as suas convenientes soluções, porque contrariamente ao que os lideres têm vindo a defender, a crise actual não é mais uma crise financeira ou económica, face ao que se pode comprovar pelo comportamento das lideranças políticas.
Ao primeiro abanão, esquece-se o verdadeiro significado do que é ser europeu, e qual o valor que a Europa deveria ter no contexto mundial, perdendo-se o cimento que a deve manter coesa e forte, através de um comportamento mais solidário e uno, na protecção dos países mais ricos para com os que têm uma economia mais fraca, portanto com menos possibilidade de manter um equilíbrio para com os seus compromissos no seio da União Europeia, como acontece com Portugal, Grécia e Irlanda, e mais recentemente a Espanha, quanto às suas dívidas soberanas.
Pelo contrário, esses ditos mercados, excelentemente representados pelas agências de notação, mal se apercebem da fraqueza das contas públicas de qualquer estado menos preparado para momentos de crise ou recessão, atacam escandalosamente baixando os ratings do Estado e dos Bancos, fazendo aumentar a desconfiança quanto à capacidade desses estados satisfazerem os pagamentos da sua dívida soberana, elevando o risco de bancarrota e subsequente aumento dos juros dessa mesma dívida.  
Se verificarmos a origem desses agentes desestabilizadores, as agências de notação, quase todas elas são oriundas dos Estados Unidos, e que perante a debilidade do dólar, fazem o seu trabalhinho de casa sem mácula, mantendo o dólar como moeda padrão nos produtos referenciais de mercado, fazendo transparecer que o euro é uma moeda de referência frágil, e que até poderá desaparecer, se a Europa não se entender e perder a sua hegemonia.
Para concretizarem essas intenções, irão tentar desestabilizar a União Europeia, aproveitando a fraqueza de alguns estados, e assim, obrigar a um cisma entre os países que constituem a União, colocando os mais fracos numa situação de completo incumprimento, o que os levará irremediavelmente à saída da União como alternativa, transformando o projecto europeu como um objectivo frustrado de gerações e gerações de europeus.
Com os cortes salariais, o aumento draconiano dos impostos, o crescimento descontrolado do desemprego, a perda de cuidados primários de saúde, entre outros, irão trazer para as ruas a população revoltada, em confrontos diários com as autoridades policiais, num autêntico desafio de confrontação social, subjugada a uma cultura governamental autoritária, de obediência e de medo.
Até agora, os movimentos contestatários têm-se resumido a manifestações organizadas e ordeiras, mas com o agravamento de medidas que se prevêem vir a ser implementadas e a perda acelerada de direitos adquiridos, irá haver uma maior organização social de protesto, até porque não vamos estar imunes ao contágio que já hoje se faz sentir, quer na Grécia e agora também em Espanha.
Ouvindo alguns debates televisivos, onde ilustres comentadores e representantes políticos debitam e interpretam os acontecimentos mais mediáticos, ficamos com a sensação de que nada há a fazer, e que as medidas em curso são meramente paliativas, mas esquecem-se que alguns, se não quase todos, fizeram parte de anteriores governos ou representam forças políticas com responsabilidades na situação actual do País, falando das matérias em discussão como pessoas impolutas, justificando todas as medidas com a crise e deixando quem os escuta resignadas ao destino e à sua pouca sorte.
Lamentavelmente, o que esses ilustres comentadores não dizem, mas que desejam, é que contrariamente ao que afirmam e defendem, as medidas tomadas pelo governo só terão reflexo no pagamento dos juros da dívida soberana e não para a recuperação e desenvolvimento económico do País como pretendem fazer crer. Na sua maioria, as reformas e vencimentos milionários que auferem, alguns cumulativamente com outras actividades nas administrações de empresas, não serão afectados pelas medidas cegas aplicadas e que vão colocar a grande maioria dos portugueses na miséria.
O fim do Sistema Nacional de Saúde, com medidas que vão começar a surgir por onde menos se espera, basta aguardar para ver, arrasarão de vez com um dos maiores se não o maior bastião desde o 25 de Abril de 1974. A privatização até ao último centavo do que ainda não foi privatizado, a perda do 13º mês e subsídio de férias, a perda e ou redução de retorno do IRS, a redução do apoio às famílias, a redução do tempo de subsídio de desemprego, o aumento dos impostos e contribuições, a caça às multas e coimas por tudo e por nada, a taxação na circulação em estradas construídas com os impostos dos contribuintes, o aumento inevitável dos bens essenciais, e muito mais que foi e vão ser implementados por este governo, perante estes factos, questiono-me qual a diferença deste programa agora imposto, para o tão criticado e derrotado PEC – IV.
Com um governo que escolheu a prepotência e a mentira, para aniquilar todos os direitos e regalias que ainda se mantinham como conquistas de uma revolução, que pôs termo a décadas de um regime castrador das liberdades, devemos questionar-nos se valeu a pena expor o País a esta mudança e, se os Portugueses não deverão de uma vez por todas, perceber que um processo eleitoral, não pode, nem deve ser utilizado simplesmente para servir oportunismos de certas castas políticas.
Os abutres especuladores dos mercados financeiros, não se cansam de sugar a riqueza dos povos, continuando a enriquecer de forma escandalosa, sem qualquer regulação, pelo que se torna necessário reagir com veemência, exigindo respeito pela condição humana e confrontando os governos democraticamente eleitos, a preocuparem-se na defesa dos direitos de quem neles confiou, e em uníssono gritar, basta!
Se a contestação efectiva tardar, quando as consequências das medidas começarem a fazer-se sentir no bolso e na cabeça de todos nós, poderá então, talvez já ser tarde demais.
(Já tinha terminado estas linhas de análise, quando tive conhecimento, pelas televisões, da situação de desespero de mais um ser humano que não aceitou nem conseguiu resistir à pérfida e criminosa intervenção dos senhores do mudo, pondo termo à vida em frente ao Parlamento Grego. Espero que os responsáveis europeus tirem as devidas ilações, da simbologia do acto e do desespero de quem perdeu a confiança e a esperança no sistema, e que não fiquem de braços caídos à espera, a ver o desespero das pessoas a sair à rua.)
João Carlos Soares
Barreiro, 04 de Abril de 2012

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