Auscultando
os ilustres fazedores de opinião da nossa praça, ouvimos falar dos mercados,
como sendo a razão de todos os pecados e culpas, da dramática situação em que
nos encontramos.
Mas
afinal o que vêm a ser esses malfadados mercados, e o porquê da sua importância
em tudo o que nos acontece?
Chegámos
a um ponto, em que pertencer à Europa, deixou de significar ter na mão a
solução para todos os problemas, pelo contrário, pois neste momento, a própria
Europa começa a ter dúvidas e a questionar-se sobre as suas convenientes soluções,
porque contrariamente ao que os lideres têm vindo a defender, a crise actual
não é mais uma crise financeira ou económica, face ao que se pode comprovar
pelo comportamento das lideranças políticas.
Ao
primeiro abanão, esquece-se o verdadeiro significado do que é ser europeu, e
qual o valor que a Europa deveria ter no contexto mundial, perdendo-se o
cimento que a deve manter coesa e forte, através de um comportamento mais
solidário e uno, na protecção dos países mais ricos para com os que têm uma
economia mais fraca, portanto com menos possibilidade de manter um equilíbrio
para com os seus compromissos no seio da União Europeia, como acontece com
Portugal, Grécia e Irlanda, e mais recentemente a Espanha, quanto às suas
dívidas soberanas.
Pelo
contrário, esses ditos mercados, excelentemente representados pelas agências de
notação, mal se apercebem da fraqueza das contas públicas de qualquer estado
menos preparado para momentos de crise ou recessão, atacam escandalosamente
baixando os ratings do Estado e dos
Bancos, fazendo aumentar a desconfiança quanto à capacidade desses estados
satisfazerem os pagamentos da sua dívida soberana, elevando o risco de
bancarrota e subsequente aumento dos juros dessa mesma dívida.
Se
verificarmos a origem desses agentes desestabilizadores, as agências de
notação, quase todas elas são oriundas dos Estados Unidos, e que perante a
debilidade do dólar, fazem o seu trabalhinho de casa sem mácula, mantendo o
dólar como moeda padrão nos produtos referenciais de mercado, fazendo transparecer
que o euro é uma moeda de referência frágil, e que até poderá desaparecer, se a
Europa não se entender e perder a sua hegemonia.
Para
concretizarem essas intenções, irão tentar desestabilizar a União Europeia,
aproveitando a fraqueza de alguns estados, e assim, obrigar a um cisma entre os
países que constituem a União, colocando os mais fracos numa situação de
completo incumprimento, o que os levará irremediavelmente à saída da União como
alternativa, transformando o projecto europeu como um objectivo frustrado de
gerações e gerações de europeus.
Com
os cortes salariais, o aumento draconiano dos impostos, o crescimento
descontrolado do desemprego, a perda de cuidados primários de saúde, entre
outros, irão trazer para as ruas a população revoltada, em confrontos diários
com as autoridades policiais, num autêntico desafio de confrontação social, subjugada
a uma cultura governamental autoritária, de obediência e de medo.
Até
agora, os movimentos contestatários têm-se resumido a manifestações organizadas
e ordeiras, mas com o agravamento de medidas que se prevêem vir a ser
implementadas e a perda acelerada de direitos adquiridos, irá haver uma maior
organização social de protesto, até porque não vamos estar imunes ao contágio
que já hoje se faz sentir, quer na Grécia e agora também em Espanha.
Ouvindo
alguns debates televisivos, onde ilustres comentadores e representantes
políticos debitam e interpretam os acontecimentos mais mediáticos, ficamos com
a sensação de que nada há a fazer, e que as medidas em curso são meramente
paliativas, mas esquecem-se que alguns, se não quase todos, fizeram parte de
anteriores governos ou representam forças políticas com responsabilidades na
situação actual do País, falando das matérias em discussão como pessoas impolutas,
justificando todas as medidas com a crise e deixando quem os escuta resignadas
ao destino e à sua pouca sorte.
Lamentavelmente,
o que esses ilustres comentadores não dizem, mas que desejam, é que
contrariamente ao que afirmam e defendem, as medidas tomadas pelo governo só
terão reflexo no pagamento dos juros da dívida soberana e não para a
recuperação e desenvolvimento económico do País como pretendem fazer crer. Na
sua maioria, as reformas e vencimentos milionários que auferem, alguns
cumulativamente com outras actividades nas administrações de empresas, não
serão afectados pelas medidas cegas aplicadas e que vão colocar a grande
maioria dos portugueses na miséria.
O
fim do Sistema Nacional de Saúde, com medidas que vão começar a surgir por onde
menos se espera, basta aguardar para ver, arrasarão de vez com um dos maiores
se não o maior bastião desde o 25 de Abril de 1974. A privatização até ao
último centavo do que ainda não foi privatizado, a perda do 13º mês e subsídio
de férias, a perda e ou redução de retorno do IRS, a redução do apoio às
famílias, a redução do tempo de subsídio de desemprego, o aumento dos impostos
e contribuições, a caça às multas e coimas por tudo e por nada, a taxação na
circulação em estradas construídas com os impostos dos contribuintes, o aumento
inevitável dos bens essenciais, e muito mais que foi e vão ser implementados
por este governo, perante estes factos, questiono-me qual a diferença deste
programa agora imposto, para o tão criticado e derrotado PEC – IV.
Com
um governo que escolheu a prepotência e a mentira, para aniquilar todos os
direitos e regalias que ainda se mantinham como conquistas de uma revolução,
que pôs termo a décadas de um regime castrador das liberdades, devemos
questionar-nos se valeu a pena expor o País a esta mudança e, se os Portugueses
não deverão de uma vez por todas, perceber que um processo eleitoral, não pode,
nem deve ser utilizado simplesmente para servir oportunismos de certas castas
políticas.
Os abutres
especuladores dos mercados financeiros, não se cansam de sugar a riqueza dos
povos, continuando a enriquecer de forma escandalosa, sem qualquer regulação,
pelo que se torna necessário reagir com veemência, exigindo respeito pela
condição humana e confrontando os governos democraticamente eleitos, a
preocuparem-se na defesa dos direitos de quem neles confiou, e em uníssono gritar,
basta!
Se a
contestação efectiva tardar, quando as consequências das medidas começarem a fazer-se
sentir no bolso e na cabeça de todos nós, poderá então, talvez já ser tarde
demais.
(Já
tinha terminado estas linhas de análise, quando tive conhecimento, pelas
televisões, da situação de desespero de mais um ser humano que não aceitou nem
conseguiu resistir à pérfida e criminosa intervenção dos senhores do mudo,
pondo termo à vida em frente ao Parlamento Grego. Espero que os responsáveis europeus
tirem as devidas ilações, da simbologia do acto e do desespero de quem perdeu a
confiança e a esperança no sistema, e que não fiquem de braços caídos à espera,
a ver o desespero das pessoas a sair à rua.)
João Carlos Soares
Barreiro, 04 de Abril de 2012
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