Este 1º de Maio, esperado e desejado como um dia
de contestação e luta, não passou de mais um dia entre tantos outros,
confirmando uma triste realidade de que poucos se deram conta, que poucos
comentaram, talvez mais triste que a própria morte, no entanto o facto é que se
sentiu um frio arrepiante a percorrer-nos a espinha, num sentimento difícil de
aceitar e acreditar, porque no essencial a contestação pública, se não morreu,
está moribunda.
Morreu a contestação pública contra a voracidade
fiscal do Estado, morreu a contestação pública contra as promessas, e para que
não pairem dúvidas sobre isto, afirmo que a contestação pública perdeu toda a
importância e oportunidade ao optar por deixar de exercer pressão direta sobre
aqueles que, usando e desviando fundos ou manipulando o destino de instituições
públicas, transformaram este país, desvirtuando uma identidade respeitável, de
nação, construída ao longo de nove séculos.
Morreu a contestação pública contra a falta de justiça,
para repor as aspirações das relações de direito privadas e entre particulares,
individuais ou coletivas, consignadas pela Constituição Portuguesa, sob a capa
de uma crise instalada e provocada exatamente pelos interesses de uma Alemanha
apostada em dar o abraço de urso aos países com menos capacidade de regeneração
económica, como Portugal, colocando uma guilhotina sobre as nossas cabeças que,
ao primeiro movimento de afrontamento, poderá provocar uma ferida na nossa
soberania e independência, que muito dificilmente conseguirão estancar.
As empresas portuguesas vivem descapitalizadas, num
ambiente pouco ou nada favorável, onde a abertura dos mercados, uma moeda forte
e o desenvolvimento das infraestruturas e dos meios de comunicação e
transporte, a inovação tecnológica e a concorrência, criam um embaraço a
países, como Portugal, que em vez de utilizar e aplicar os fundos europeus no
desenvolvimento e incremento das nossas atividades produtivas e de
transformação, preferiu capitalizar a banca, seguindo o caminho do
desmantelamento da nossa economia, a troco de alguns tostões.
As medidas recentemente apresentadas pelo
ministro das finanças, qual trágico-comédia Vicentina, supostamente
provisórias, nada têm de provisórias, pelo contrário, elas são um veículo de
empobrecimento da população, através do desmantelamento de toda uma estrutura
económica e financeira do Estado, e na entrega das mais-valias aos
capitalistas, que durante quarenta anos de democracia, se foram impondo com o
beneplácito dos diferentes governos, num atentado contra a natureza humana,
explorando a mão-de-obra, retirando-lhe capacidade reivindicativa, deslocalizando
empresas rentáveis, para países onde subsiste a mão-de-obra sem qualquer
capacidade reivindicativa e barata, e subjugando o trabalho à força do capital,
arrasando por completo o já precário Estado Social em que vivemos.
No dia em que políticos irresponsáveis forem
chamados à justiça e processados criminalmente por obras mal planeadas, mal
conduzidas e, sobretudo, sem projetos sérios e de interesse público, poderemos
ter esperança que a corrupção não mais será objeto de impunidade.
Dar-se-á início ao ajuste de contas com os
políticos corruptos, que governaram ou tomaram decisões que vieram a prejudicar
o património de toda uma nação, levando-os perante as barras dos tribunais e,
subsequentemente, depois de julgados e incriminados, expropriados dos bens e
valores considerados prova dos seus atos reprováveis, na gestão da coisa
pública e colocados atrás das barras da cadeia, onde é o seu lugar.
A nível europeu, parece que as soluções
encontradas, a médio e curto prazo, para a recuperação e estabilidade dos
países intervencionados, se resumem a um conjunto de teorias e fórmulas,
aplicadas a esses países, esquecendo-se de que essas medidas, aplicadas sem
levar em consideração a vida das pessoas, numa total inconsciência e irresponsabilidade
dos governantes, de que não se dão conta, quando a verdadeira crise não é esta
que discutem, mas a insustentabilidade e incapacidade desses países reporem os
seus recursos e serviços necessários para um equilíbrio sustentável das
comunidades.
Com este tipo de atitude, assistimos à
degradação do crescimento económico nesses países, transformando-se num
paradigma de desenvolvimento sustentável enganador, de acumulação de riqueza
mundial de uns quantos, que levará em pouco tempo a humanidade à fome e à
ruína, porque na implementação dessas políticas, em primeiro lugar o que conta
são os mercados, os bancos, o sistema financeiro e só por último se leva em
consideração a condição de vida das pessoas.
Receio que, com a complacência dos governos e
alguma acomodação das populações, daqui a alguns anos, olhando para o passado,
os nossos filhos e netos tenham motivos de sobra para nos amaldiçoar, e de nos castigarem
com um enorme desprezo, porque não intervimos quando o deveríamos ter feito.
Sabendo os riscos que corríamos, preferimos
mantermo-nos no Euro, para continuarmos a receber o bónus pela integração numa
federação europeia que se afundava a olhos vistos, liderada pelos interesses
Alemães, preferindo hipotecar e arrastar e as gerações futuras para o abismo.
Tal resultado advém de uma crença quase
religiosa de que a solução da atual crise sistémica se encontra no mesmo veneno
que lhe deu origem, a economia. Não se trata da economia que garante as bases
materiais da vida, mas daquela que nos últimos tempos, de uma vez só, deu um
golpe de misericórdia na política, na cultura e na ética, e se instalou de
forma soberana, como único motor capaz de fazer evoluir as sociedades.
Este tipo de solução tem, como único objetivo, o
acumular de riqueza até à exaustão, regendo-se por uma feroz concorrência e
desequilibrando as relações e oportunidade entre os povos.
João Carlos Soares
Barreiro, 02 de Maio de 2013
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