quinta-feira, maio 02, 2013

1º de Maio - Uma tragico-comédia Vicentina

Este 1º de Maio, esperado e desejado como um dia de contestação e luta, não passou de mais um dia entre tantos outros, confirmando uma triste realidade de que poucos se deram conta, que poucos comentaram, talvez mais triste que a própria morte, no entanto o facto é que se sentiu um frio arrepiante a percorrer-nos a espinha, num sentimento difícil de aceitar e acreditar, porque no essencial a contestação pública, se não morreu, está moribunda.
Morreu a contestação pública contra a voracidade fiscal do Estado, morreu a contestação pública contra as promessas, e para que não pairem dúvidas sobre isto, afirmo que a contestação pública perdeu toda a importância e oportunidade ao optar por deixar de exercer pressão direta sobre aqueles que, usando e desviando fundos ou manipulando o destino de instituições públicas, transformaram este país, desvirtuando uma identidade respeitável, de nação, construída ao longo de nove séculos.
Morreu a contestação pública contra a falta de justiça, para repor as aspirações das relações de direito privadas e entre particulares, individuais ou coletivas, consignadas pela Constituição Portuguesa, sob a capa de uma crise instalada e provocada exatamente pelos interesses de uma Alemanha apostada em dar o abraço de urso aos países com menos capacidade de regeneração económica, como Portugal, colocando uma guilhotina sobre as nossas cabeças que, ao primeiro movimento de afrontamento, poderá provocar uma ferida na nossa soberania e independência, que muito dificilmente conseguirão estancar.
As empresas portuguesas vivem descapitalizadas, num ambiente pouco ou nada favorável, onde a abertura dos mercados, uma moeda forte e o desenvolvimento das infraestruturas e dos meios de comunicação e transporte, a inovação tecnológica e a concorrência, criam um embaraço a países, como Portugal, que em vez de utilizar e aplicar os fundos europeus no desenvolvimento e incremento das nossas atividades produtivas e de transformação, preferiu capitalizar a banca, seguindo o caminho do desmantelamento da nossa economia, a troco de alguns tostões.
As medidas recentemente apresentadas pelo ministro das finanças, qual trágico-comédia Vicentina, supostamente provisórias, nada têm de provisórias, pelo contrário, elas são um veículo de empobrecimento da população, através do desmantelamento de toda uma estrutura económica e financeira do Estado, e na entrega das mais-valias aos capitalistas, que durante quarenta anos de democracia, se foram impondo com o beneplácito dos diferentes governos, num atentado contra a natureza humana, explorando a mão-de-obra, retirando-lhe capacidade reivindicativa, deslocalizando empresas rentáveis, para países onde subsiste a mão-de-obra sem qualquer capacidade reivindicativa e barata, e subjugando o trabalho à força do capital, arrasando por completo o já precário Estado Social em que vivemos.
No dia em que políticos irresponsáveis forem chamados à justiça e processados criminalmente por obras mal planeadas, mal conduzidas e, sobretudo, sem projetos sérios e de interesse público, poderemos ter esperança que a corrupção não mais será objeto de impunidade.
Dar-se-á início ao ajuste de contas com os políticos corruptos, que governaram ou tomaram decisões que vieram a prejudicar o património de toda uma nação, levando-os perante as barras dos tribunais e, subsequentemente, depois de julgados e incriminados, expropriados dos bens e valores considerados prova dos seus atos reprováveis, na gestão da coisa pública e colocados atrás das barras da cadeia, onde é o seu lugar.
A nível europeu, parece que as soluções encontradas, a médio e curto prazo, para a recuperação e estabilidade dos países intervencionados, se resumem a um conjunto de teorias e fórmulas, aplicadas a esses países, esquecendo-se de que essas medidas, aplicadas sem levar em consideração a vida das pessoas, numa total inconsciência e irresponsabilidade dos governantes, de que não se dão conta, quando a verdadeira crise não é esta que discutem, mas a insustentabilidade e incapacidade desses países reporem os seus recursos e serviços necessários para um equilíbrio sustentável das comunidades.
Com este tipo de atitude, assistimos à degradação do crescimento económico nesses países, transformando-se num paradigma de desenvolvimento sustentável enganador, de acumulação de riqueza mundial de uns quantos, que levará em pouco tempo a humanidade à fome e à ruína, porque na implementação dessas políticas, em primeiro lugar o que conta são os mercados, os bancos, o sistema financeiro e só por último se leva em consideração a condição de vida das pessoas.
Receio que, com a complacência dos governos e alguma acomodação das populações, daqui a alguns anos, olhando para o passado, os nossos filhos e netos tenham motivos de sobra para nos amaldiçoar, e de nos castigarem com um enorme desprezo, porque não intervimos quando o deveríamos ter feito.
Sabendo os riscos que corríamos, preferimos mantermo-nos no Euro, para continuarmos a receber o bónus pela integração numa federação europeia que se afundava a olhos vistos, liderada pelos interesses Alemães, preferindo hipotecar e arrastar e as gerações futuras para o abismo.
Tal resultado advém de uma crença quase religiosa de que a solução da atual crise sistémica se encontra no mesmo veneno que lhe deu origem, a economia. Não se trata da economia que garante as bases materiais da vida, mas daquela que nos últimos tempos, de uma vez só, deu um golpe de misericórdia na política, na cultura e na ética, e se instalou de forma soberana, como único motor capaz de fazer evoluir as sociedades.
Este tipo de solução tem, como único objetivo, o acumular de riqueza até à exaustão, regendo-se por uma feroz concorrência e desequilibrando as relações e oportunidade entre os povos.
João Carlos Soares
Barreiro, 02 de Maio de 2013

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