segunda-feira, julho 15, 2013

Criminalidade Institucional

Deveria caber ao Estado, sobretudo em sociedades como a nossa, desnivelada social, económica, política e culturalmente, a implementação e cumprimento de políticas, que pudessem contribuir para atenuar os atrozes e desumanos mecanismos que colocam, de um lado, minorias ultraprivilegiadas, e, de outro, a esmagadora maioria dos que lutam pela sobrevivência, para alcançarem as mais básicas condições de vida.
Fortificados nos seus domínios, os grupos dominantes desta sociedade, social e economicamente desequilibrada, banqueiros, grandes empresários nacionais ou comprometidos com o capital estrangeiro, os proprietários das grandes redes de comunicação e informação escrita e audiovisual, os que, de algum modo, se aproveitam e sabem tirar partido desta crise, cujos interesses têm no Estado o seu principal defensor, através da corrupção que percorre os corredores da política, não admitem, nem toleram as reivindicações transformadas em protestos públicos pelos mais excluídos e atingidos pela desgovernação das últimas décadas, usando a força policial e a restrição de direitos cívicos, para calar as vozes discordantes.
A indiferença, como o Estado se relaciona com os dramas que atingem, no nosso país, centenas de milhares de famílias no limiar da pobreza, é demonstrativo da omissão do Estado na sua função de regulação e proteção social, que a Constituição lhe confere, dando azo a um cada vez maior movimento contestatário, constituído por gente sem emprego, famílias sem condição económica para manter os seus filhos nos estabelecimentos de ensino e creches, carentes e sem acesso aos bens elementares, imprescindíveis à vida, enfim, aqueles que neste momento sofrem as consequências de uma crise da qual não são responsáveis, mas que é sobre eles que recaem o efeito das medidas de austeridade, impostas pela Troika.
Estes tipos de contestação, em crescendo, depois das diversas travessuras a que temos vindo a ser brindados, pela garotagem atualmente no Governo, com a complacência do Presidente da República, são considerados hostis, agressivos e desrespeitadores da ordem, na medida em que representam, pelo menos potencialmente, uma ameaça à ordem política estabelecida, uma ameaça ao poder instituído.
Colocado o País, em suspenso, Cavaco Silva, como mais alto magistrado da nação, faz da Constituição carta morta, e brinda-nos com um episódio constrangedor e ao mesmo tempo confrangedor, transmitido à hora nobre, por todas as televisões, parecendo termos regressado à época do Estado Novo. Do alto do seu palácio, o rei brincando de forma destrambelhada com os valores da democracia portuguesa, deixa o Povo incrédulo e desmoralizado, perante a permanente e contínua desacreditação das instituições do Estado.
No mínimo, deveria ser do básico senso comum, que o Estado, através dos seus mais altos signatários, Presidente da República e restantes governantes, assegurassem e fossem o garante dos valores da democracia.
Seria de crer que, mais evidente que garantir o bem comum, o Estado não se pode permitir em criar falsas soluções que o desacreditem perante os cidadãos. Numa democracia participativa, não será possível respeitar as estruturas do Estado, se as contradições dos seus interlocutores levarem a um mal-estar generalizado e, consequentemente à degradação alucinante das condições de sobrevivência das famílias portuguesas, a possível dissolução da Assembleia da República ou à supressão de parte das instituições representativas dos cidadãos, por exclusão ou interdição, como fez Cavaco Silva no seu discurso, ao excluir das decisões e participação na solução da crise política actual, forças políticas representadas na Assembleia da República, PCP, Verdes e BE, como se a Democracia e a Constituição estivessem suspensas.
Chama-se a isto excluir da solução, parte dos cidadãos que se revêem, nessas forças políticas, como se a democracia plena, pudesse ser exercida por exclusão de partes, procedimento de pensamento único, comum em regimes reconhecidamente repressores e fascistas.
Esta atitude de Cavaco Silva, para tapar o sol com a peneira, inventou um sistema de fuga hipocritamente fundamentado, que poderá provocar danos irreversíveis ao país, demitindo-se das suas responsabilidades, e ardilosamente atirando o caldeirão em brasa, para as estruturas partidárias do chamado eixo da governação, desautorizando através deste tipo de acção o próprio Estado, do qual é o seu fiel depositário, cometendo assim um crime de lesa-pátria.
É uma verdade que, quanto mais ausente e omisso das suas responsabilidades, para com os cidadãos, o Estado estiver, maior será a probalidade de virmos a assistir a um considerável aumento da criminalidade, uma criminalidade que, afinal de contas e justamente, tem no próprio Estado o seu mais importante culpado.
Quando os governantes, responsáveis pela gestão do património público, que se dizem representantes de uma nação, ascendem ao poder com o intuito de se servirem desse mesmo património, para proveito próprio ou dos seus cúmplices, quando deveriam servir para melhorar as condições de vida da sociedade, no seu todo. Pelo contrário, esta gestão, é descaradamente utilizada e serve para fortalecer a sua própria imagem política ou até proporcionar o bem-estar particular de alguns privilegiados.
Este tipo de violência sobre os cidadãos, a violência institucional, é promovido, desenvolvida e estimulado pelo próprio Estado, o qual, tem assim, uma perversa responsabilidade, ao negar, em nome das minorias elitistas privilegiadas, o acesso dos segmentos mais carenciados da população, aos bens essenciais de vida, sem estigmas nem rótulos de mesquinhez, que atentem à condição humana na sua dignidade, enquanto cidadãos de direito.
O problema, não está na democracia, mas sim na falta de justiça pública, pois sendo a justiça um dos pilares fundamentais da democracia e do bom funcionamento das instituições, toda ou qualquer acção danosa, a criação de leis que para beneficiar determinadas opções do governo, coloquem em causa a soberania do País ou contrariem ou sejam antidemocráticas e, nessa e noutras interpretações, sejam anticonstitucionais e injustas, estão a ir contra a Constituição porque é na justiça, que assenta a segurança dos cidadãos e consequentemente do País, e esta não está a ser minimamente garantida.
O problema, não está na democracia, mas sim na falta de ética dos nossos representantes, porque cada vez mais difícil se torna discutir os problemas do País, sem nos referirmos à ética. Ao se procurarem as causas e o porquê da situação dramática a que o País chegou, onde as relações de compromisso do Estado para com os cidadãos se tem vindo a degradar, governo após governo, mais se questiona sobre a ética, confirmando-se como um triste paradigma das sociedades modernas, contrariando o espírito da Constituição, o bom senso e as regras elementares da democracia.
É voz corrente entre a população, o descrédito dos cidadãos na classe política que tem gravitado na orla do poder. Constata-se que, chegados ao poder, os políticos deixaram de ter como objectivo, a importância da honestidade de cada um, no desempenho das suas funções, isto porque a sociedade gira em torno dos poderes e das elites, onde a falta de princípios morais infligem danos sociais intermináveis, empurrando o país e o futuro dos cidadãos para as mãos dos detentores do poder.
A recente decisão apresentada aos portugueses, pelo Presidente da República, face à crise política, instalada no seio da coligação PSD/CDS no governo, e o estado de calamidade a que chegaram as contas públicas, pode considerar-se um autêntico golpe de estado palaciano e, a concretizar-se, será a machadada final no sistema democrático iniciado em Abril de 1974.

João Carlos Soares
Barreiro, 11 de Julho de 2013

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