Deveria caber ao Estado, sobretudo em sociedades como a nossa,
desnivelada social, económica, política e culturalmente, a implementação
e cumprimento de políticas, que pudessem contribuir para atenuar os
atrozes e desumanos mecanismos que colocam, de um lado, minorias
ultraprivilegiadas, e, de outro, a esmagadora maioria dos que lutam pela
sobrevivência, para alcançarem as mais básicas condições de vida.
Fortificados
nos seus domínios, os grupos dominantes desta sociedade, social e
economicamente desequilibrada, banqueiros, grandes empresários nacionais
ou comprometidos com o capital estrangeiro, os proprietários das
grandes redes de comunicação e informação escrita e audiovisual, os que,
de algum modo, se aproveitam e sabem tirar partido desta crise, cujos
interesses têm no Estado o seu principal defensor, através da corrupção
que percorre os corredores da política, não admitem, nem toleram as
reivindicações transformadas em protestos públicos pelos mais excluídos e
atingidos pela desgovernação das últimas décadas, usando a força
policial e a restrição de direitos cívicos, para calar as vozes
discordantes.
A indiferença, como o Estado se relaciona com os dramas
que atingem, no nosso país, centenas de milhares de famílias no limiar
da pobreza, é demonstrativo da omissão do Estado na sua função de
regulação e proteção social, que a Constituição lhe confere, dando azo a
um cada vez maior movimento contestatário, constituído por gente sem
emprego, famílias sem condição económica para manter os seus filhos nos
estabelecimentos de ensino e creches, carentes e sem acesso aos bens
elementares, imprescindíveis à vida, enfim, aqueles que neste momento
sofrem as consequências de uma crise da qual não são responsáveis, mas
que é sobre eles que recaem o efeito das medidas de austeridade,
impostas pela Troika.
Estes tipos de contestação, em crescendo,
depois das diversas travessuras a que temos vindo a ser brindados, pela
garotagem atualmente no Governo, com a complacência do Presidente da
República, são considerados hostis, agressivos e desrespeitadores da
ordem, na medida em que representam, pelo menos potencialmente, uma
ameaça à ordem política estabelecida, uma ameaça ao poder instituído.
Colocado
o País, em suspenso, Cavaco Silva, como mais alto magistrado da nação,
faz da Constituição carta morta, e brinda-nos com um episódio
constrangedor e ao mesmo tempo confrangedor, transmitido à hora nobre,
por todas as televisões, parecendo termos regressado à época do Estado
Novo. Do alto do seu palácio, o rei brincando de forma destrambelhada
com os valores da democracia portuguesa, deixa o Povo incrédulo e
desmoralizado, perante a permanente e contínua desacreditação das
instituições do Estado.
No mínimo, deveria ser do básico senso comum,
que o Estado, através dos seus mais altos signatários, Presidente da
República e restantes governantes, assegurassem e fossem o garante dos
valores da democracia.
Seria de crer que, mais evidente que garantir o
bem comum, o Estado não se pode permitir em criar falsas soluções que o
desacreditem perante os cidadãos. Numa democracia participativa, não
será possível respeitar as estruturas do Estado, se as contradições dos
seus interlocutores levarem a um mal-estar generalizado e,
consequentemente à degradação alucinante das condições de sobrevivência
das famílias portuguesas, a possível dissolução da Assembleia da
República ou à supressão de parte das instituições representativas dos
cidadãos, por exclusão ou interdição, como fez Cavaco Silva no seu
discurso, ao excluir das decisões e participação na solução da crise
política actual, forças políticas representadas na Assembleia da
República, PCP, Verdes e BE, como se a Democracia e a Constituição
estivessem suspensas.
Chama-se a isto excluir da solução, parte dos
cidadãos que se revêem, nessas forças políticas, como se a democracia
plena, pudesse ser exercida por exclusão de partes, procedimento de
pensamento único, comum em regimes reconhecidamente repressores e
fascistas.
Esta atitude de Cavaco Silva, para tapar o sol com a
peneira, inventou um sistema de fuga hipocritamente fundamentado, que
poderá provocar danos irreversíveis ao país, demitindo-se das suas
responsabilidades, e ardilosamente atirando o caldeirão em brasa, para
as estruturas partidárias do chamado eixo da governação, desautorizando
através deste tipo de acção o próprio Estado, do qual é o seu fiel
depositário, cometendo assim um crime de lesa-pátria.
É uma verdade
que, quanto mais ausente e omisso das suas responsabilidades, para com
os cidadãos, o Estado estiver, maior será a probalidade de virmos a
assistir a um considerável aumento da criminalidade, uma criminalidade
que, afinal de contas e justamente, tem no próprio Estado o seu mais
importante culpado.
Quando os governantes, responsáveis pela gestão
do património público, que se dizem representantes de uma nação,
ascendem ao poder com o intuito de se servirem desse mesmo património,
para proveito próprio ou dos seus cúmplices, quando deveriam servir para
melhorar as condições de vida da sociedade, no seu todo. Pelo
contrário, esta gestão, é descaradamente utilizada e serve para
fortalecer a sua própria imagem política ou até proporcionar o bem-estar
particular de alguns privilegiados.
Este tipo de violência sobre os
cidadãos, a violência institucional, é promovido, desenvolvida e
estimulado pelo próprio Estado, o qual, tem assim, uma perversa
responsabilidade, ao negar, em nome das minorias elitistas
privilegiadas, o acesso dos segmentos mais carenciados da população, aos
bens essenciais de vida, sem estigmas nem rótulos de mesquinhez, que
atentem à condição humana na sua dignidade, enquanto cidadãos de
direito.
O problema, não está na democracia, mas sim na falta de
justiça pública, pois sendo a justiça um dos pilares fundamentais da
democracia e do bom funcionamento das instituições, toda ou qualquer
acção danosa, a criação de leis que para beneficiar determinadas opções
do governo, coloquem em causa a soberania do País ou contrariem ou sejam
antidemocráticas e, nessa e noutras interpretações, sejam
anticonstitucionais e injustas, estão a ir contra a Constituição porque é
na justiça, que assenta a segurança dos cidadãos e consequentemente do
País, e esta não está a ser minimamente garantida.
O problema, não
está na democracia, mas sim na falta de ética dos nossos representantes,
porque cada vez mais difícil se torna discutir os problemas do País,
sem nos referirmos à ética. Ao se procurarem as causas e o porquê da
situação dramática a que o País chegou, onde as relações de compromisso
do Estado para com os cidadãos se tem vindo a degradar, governo após
governo, mais se questiona sobre a ética, confirmando-se como um triste
paradigma das sociedades modernas, contrariando o espírito da
Constituição, o bom senso e as regras elementares da democracia.
É
voz corrente entre a população, o descrédito dos cidadãos na classe
política que tem gravitado na orla do poder. Constata-se que, chegados
ao poder, os políticos deixaram de ter como objectivo, a importância da
honestidade de cada um, no desempenho das suas funções, isto porque a
sociedade gira em torno dos poderes e das elites, onde a falta de
princípios morais infligem danos sociais intermináveis, empurrando o
país e o futuro dos cidadãos para as mãos dos detentores do poder.
A
recente decisão apresentada aos portugueses, pelo Presidente da
República, face à crise política, instalada no seio da coligação PSD/CDS
no governo, e o estado de calamidade a que chegaram as contas públicas,
pode considerar-se um autêntico golpe de estado palaciano e, a
concretizar-se, será a machadada final no sistema democrático iniciado
em Abril de 1974.
João Carlos Soares
Barreiro, 11 de Julho de 2013
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