domingo, novembro 19, 2006

Qual é o Propósito da Política?

Interesses, Disputas e Propostas

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O conceito de política em si começa por desencadear sentimentos contraditórios, sabendo-se desde à muito, que é esse conceito polémico a expressão representativa dos diversos interesses em conflito na sociedade. A arbitragem dos interesses em conflito é, ou deveria ser do povo, que ao fim e ao cabo significando tudo, através do direito de escolha nos processos eleitorais, pode muito simplesmente desempenhar um papel menor, onde o seu desempenho pouco ou mesmo nada significará, se não exercer a única ferramenta possível para dirimir publicamente a sua insatisfação, para com aqueles a quem delegou a sua confiança.
A política alimenta-se de polémica, onde os mais diversos interesses económicos, sociais etc., se manifestam através da paternidade e disputa de ideias e propostas em permanente negociação. Diziam os filósofos que “o objectivo da política não é viver, mas viver bem". A ideia que nos é transmitida correntemente hoje, de que a política é a luta constante pelo bem comum das populações, pela justiça, segurança social, etc., transporta-nos à tradição de Aristóteles, mesmo à filosofia política de Platão e ao pensamento cristão medieval.
Constatamos, por exemplo, que estas ideias são fundamentadas em diversos sectores. Na teoria a maneira como se concebe a política, transmite-nos e indica-nos o caminho para concepção de uma sociedade justa e igualitária etc., através de governos responsáveis e preocupados com a real situação das populações.
Esta ideia que alimenta e estabelece padrões de confiança, através da identificação e militância partidária, movimentos sociais, associações e sindicatos, traduzem-se na construção de uma utopia à qual dedicam a sua vida na constante procura do bem comum.
Como se depreenderá, tomando como moderados estes conceitos, na política nem tudo cheira a perversão, quer concordemos ou não com as suas ideias e propostas, ainda consideramos existirem idealistas, os quais consagram boa parte do seu precioso tempo, ao destino e qualidade de vida da comunidade.
Esses que ainda se podem encontrar na política, vivem na esperança da concretização de um sonho, de uma sociedade onde a enfermidade social presente no nosso quotidiano, e que laceram os nossos corações, sejam superadas e banidas.
Contrastando com a insensibilidade dos nossos governantes perante as questões sociais, ainda há pessoas que se sensibilizam com uma qualquer campanha solidária, ou com a falta de esperança dos trabalhadores, consternados com a sua cada vez maior dificuldade em conciliar e garantir o seu posto de trabalho, e a falta de perspectivas num futuro que se esvazia numa morte à muito anunciada, como se de um cortejo fúnebre se tratasse.
Deixemos as mazelas que a nossa sociedade enferma e alimenta. Afinal, se olharmos com mais atenção e atentarmos nesse quadro sombrio, que teimamos em eternizar, é para a grande maioria, natural, sem qualquer tipo de relação com a política. Regressemos então a incidir a atenção sobre aqueles que continuam de forma idílica na procura do bem comum na sua prática política. Mesmo sendo imprescindíveis, esses homens e mulheres sofrem de uma teoria sobre a política, carregada de alguma ingenuidade.
Se tal como afirmamos, a política é essencialmente a oposição e a luta entre interesses diferenciados e antagónicos, então a ideia de política, como sendo a busca incessante do bem comum, é um projecto não realizável, contrariando os objectivos existenciais da própria política. Política é sobretudo a arte de conquistar, liderar, dominar e manter ao fim e ao cabo o poder astucioso de alguns privilegiados.
Pensar na superação dos interesses individualistas e egoístas, ou por outras palavras, na predominância do colectivo sobre a lógica que anima toda a sociedade significa, em última instância, o sonho da existência de uma sociedade onde a política e o Estado não mais fossem necessários.
Enquanto houver necessidade de uma busca incessante do bem comum, para o equilíbrio e razoabilidade numa sociedade justa, os seus fins serão tantos quanto os objectivos que aos grupos económicos e políticos se coloquem. De uma coisa podemos estar certos, na política não existem fins estáticos e perpetuamente definidos.
Nesse contexto, o bem estar das populações, a justiça, a preocupação de governar para as populações, são meios ideológicos ou não passarão de pura retórica, da qual tanto se irão servir os idealistas como os grupos económicos instalados e politicamente dominantes na sociedade que, procuram fazer-nos acreditar permanentemente, que os seus interesses específicos são também os nossos. Tomamos consciência disto, através da ilusão da existência de um Estado guardião dos interesses das populações, como se neste jogo político entre classes e grupos sociais, se colocasse numa posição de completa neutralidade.
Desmistificar a ilusão democrática da política e do Estado como agentes e defensores das populações, parece-me um princípio gerador de alguma polémica. É verdade, mas que seria da política se não houvesse polémica. Anular pensamentos divergentes foi, e ainda continua infelizmente a ser corrente, o sonho dos mais respeitados ditadores de todos os tempos, e dos que sempre atentos e à espreita dos deslizes da sociedade, agarram a primeira oportunidade, disfarçados sob as máscaras de democratas impolutos de última hora.

João Carlos Soares

1 comentário:

Anónimo disse...

Excelente análise e importantíssimo texto para reflexão de muitos e de todos nós.
Parabéns.

Ana Rocha