sábado, novembro 25, 2006

Verdade ou Consequência


No Fio da Navalha
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Deverá ser de uma forma acalorada, no mínimo apaixonada, que deveremos manifestar perplexidade e repulsa pela forma displicente com que a esquerda europeia se deixa afundar, num curto prazo, de uma forma ostensiva e promíscua, entregando-se de corpo e alma aos negócios e interesses dos grandes grupos económicos.
Esta situação, de certa maneira, pode fazer periclitar a estabilidade democrática e os alicerces de uma sociedade de nações agrupadas debaixo de uma bandeira, no pleno respeito de cidadania em estados de direito, girando em torno de meia dúzia de actores, representando interesses em nome de uma globalização atormentada por dúvidas existenciais em referendos, onde os sentimentos da população vão sendo expressos de forma clara, desacreditando os seus líderes.
Não estamos perante uma qualquer situação isolada mas, pelo contrário, em sucessivos resultados que pretendem contrariar as grandes decisões para o futuro desta unidade europeia.
As maiorias absolutas com que alguns eleitores em sucessivas eleições locais, em alguns destes países, outorgam aos sucessivos apelos e promessas com que os líderes partidários se apresentam, tendem, inevitavelmente, a transformar-se em grandes desilusões.
A situação de promiscuidade permitida, envolvendo uma administração pública permeável aos interesses privados e à força dos negócios, permite-se à acomodação de excessivos cargos de confiança política, através das mais diversas nomeações a nível dos ministérios e empresas públicas, conforme é tornado público em notícias emanadas nos diversos meios de comunicação.
Não são propriamente dito as nomeações de confiança política, só por si, o mal da gestão da coisa pública se essas nomeações representassem e espelhassem uma qualidade inquestionável. Pelo contrário, se atentarmos bem nessas nomeações, elas gravitam sempre dentro de uma conduta cíclica, do agora entras tu, amanhã entro eu.
Tendo como cenário uma bipolarização política governamental, somos confrontados com elencos constituídos por profissionais do interesse privado, gerindo de forma amadora e intencionalmente o bem público.
Não é difícil de entender se percebermos que esses gestores não fazem nada mais do que garantir, num futuro, a desacreditação da gestão pública, através da submissão aos interesses privados e seus amos.
Quando se fala em gestão privatizada do sector público, como sendo uma forma inovadora de modernidade europeia, significa isso não uma forma de gerir estatalmente uma série de serviços, onde o lucro é a satisfação produzida nas populações, no reconhecimento para onde vão e são aplicados os seus impostos, mas sim, uma forma de camuflar os interesses particulares no seio do Estado, constituindo-se os seus negócios como um todo.
Perante este panorama, muito dificilmente poderemos considerar a hipótese da defesa dos interesses do bem público, através do rigor e da competência, garantindo a justiça social direitos de cidadania, consignados na nossa constituição.
A ignorância dos povos e o déficit cívico da população foram gerando desencanto e insatisfação, transformando-se quase numa epidemia letal que, tal como as pragas que arrasaram civilizações noutros tempos, transformam-se actualmente no cerne do sistema político e partidário, dando-lhe a legitimidade que precisam.
Temos que construir barreiras a este sistema, suportado por um casamento social de interesses, onde a correlação de forças se dissimula numa falsa hegemonia, onde a moral deixa de ser factor importante e a política e os políticos não conseguem disfarçar o conluio dos interesses privados.

Joao Carlos Soares

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